O cinema como fonte de encantamento nunca foi tão eficaz e extraordinário como em “A Princesa e o Plebeu”. Uma obra prima cujo principal intuito é fazer o espectador sorrir.
Ann é a princesa de um país europeu fictício e está fazendo visitas a diversas cidades. Os planos-detalhe dos pés indicam seu desconforto perante suas obrigações. A roupa luxuosa a incomoda, o palácio suntuoso é um exagero e a montagem ágil enfatiza que nenhuma dança tem valor, sendo apenas uma formalidade, da qual ela já estava cansada.
Ann tem desejos simples e humanos. Olhar pela janela e observar as multidões a deixa feliz, assim como a possibilidade de usar um pijama em vez de uma camisola. As coisas mais mundanas e comuns estão fora de seu alcance e esse é o motivo do seu enorme vazio. Seus compromissos são importantes para a esfera global, mas Ann está exausta, quer olhar um pouco para si, viver algo genuíno e empolgante.
Ela foge do palácio, passeia pelas ruas de Roma e se encanta ao dar de cara com aquilo que observava de longe. No entanto, seu médico a havia dado um sedativo e Ann acaba dormindo em um banco. Eis que surge Joe Bradley, um jornalista trambiqueiro, que se depara com esta jovem inconsciente. A situação é muito bem construída e amarrada pelo roteiro, que obriga a aproximação sem pressa ou desespero. As coisas fluem com naturalidade e muito bom humor. A mudança no figurino de Ann traz mais leveza a personagem, que se coloca ao lado dos demais, esquecendo seu status. O design de produção, que não economizava em luxo no palácio, adota uma abordagem mais simples no apartamento de Joe, que é fundamental para a trajetória da protagonista.
O jornalista não a quer por perto, mas a trata com carinho e respeito. Ele não a reconhece e quando percebe que está com uma possível matéria exclusiva em sua própria casa decide agradá-la e realizar o sonho de Ann de viver um dia como uma pessoa comum.
“Roman Holiday” nunca se torna um filme pesado, pois esse não é o objetivo de William Wyler. Sua obra é doce e delicada, e, mesmo que a trama se mova por interesses, o que fica nítido desde o início é o cuidado do diretor em conduzir momentos singelos e significativos. O romance não surge no final, as primeiras pistas estão na primeira noite, quando Joe empresta seu pijama e a coloca para dormir no sofá, achando que é uma estranha. O interesse é a ponta que subverte algo “previsível”.
Ann valoriza o que todos podem ter e vive seu dia de forma intensa. Há algo profundamente encantador dentro da protagonista. Ela é gentil com todos, se lisonjeia ao ouvir elogios sinceros e demonstra uma ingenuidade irresistível. Ann não tem noção de valores monetários, usa expressões anacrônicas, é facilmente enganada e não esconde o que sente. Sua felicidade é tão genuína, que se torna destrambelhada.
Audrey Hepburn nunca foi tão doce e graciosa. Sua personagem aprecia a beleza oculta aos olhos humanos. Ela ganha o espectador sem nenhum tipo de vulgarização, somente com seu carisma e charme. Wyler utiliza vários planos fechados, pois sabe que o filme depende das reações da atriz, que não fica apenas na alegria e apresenta uma melancolia pulsante, principalmente no final.
Joe tem sérios problemas financeiros. Sua primeira aparição é em uma mesa de apostas, o aluguel está atrasado e seu chefe lhe cobra uma quantia razoável. É normal e justo que o primeiro pensamento dele seja o de tirar proveito da situação. Joe é solitário, isso fica evidente nos planos iniciais e no estado de seu apartamento. O dinheiro era uma necessidade, porém, no caminho, ele encontrou algo ainda mais raro e importante. O personagem fica tão encantado quanto o espectador com a presença de Ann. Gregory Peck o vive com muita classe e charme. Joe parece seguro de si e, repentinamente, descobre que o que era tão óbvio havia adquirido um enorme grau de complexidade. O ator passa muito bem essa dúvida e depois a transforma em obviedade novamente, só que para o outro lado.
A química entre os dois é fenomenal, sem dúvida alguma uma das mais marcantes da história do cinema. O que eu acho mais bonito no arco romântico é o fato de Ann saber que há algo de errado com Joe e ignorar isso, visando apenas a magia e o brilho daquela noite, admitindo o viés de conto de fadas. Complexidades são deixadas de lado, enquanto ambos se abraçam e choram por saberem que em breve a carruagem se transformará em abóbora.
O final é extremamente sensível. Wyler prova que quando se tem atores talentosos e carismáticos, palavras não são necessárias.
Há tantos momentos emblemáticos, que eu poderia fazer um texto citando todos, e é exatamente por isso que ficarei com a sequência de dança, que sintetiza o tom e o espírito do filme.
O diretor presta uma bela homenagem à Roma ao retratá-la de forma apaixonante, com planos que valorizam a estética e os monumentos locais. Wyler entende que existe um senso de liberdade na cidade e, nesse sentido, a escolha não poderia ter sido melhor.
“Roman Holiday” é uma maravilha, um daqueles filmes que nunca perderá o frescor.
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