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Após uma missão durante a Segunda Guerra Mundial, Peter Carter, da força aérea britânica, não tem muito o que fazer: seu avião está em chamas e sem paraquedas disponíveis. Ele entra em contato com a base e é atendido por June, uma americana, com quem conversa por alguns instantes e se apaixona. O protagonista, então, salta em meio a uma forte névoa e desaparece, na esperança de acordar no céu.

Não estamos mais na Terra e as cores se esvaem, dando espaço ao preto e branco. Os militares formam uma fila, onde registram seus nomes e postos. Bob, colega de Peter, que também estava no avião, não encontra o amigo e questiona às autoridades do “Outro Mundo” sobre um possível engano.

O protagonista acorda numa praia e estranha a falta de lesões. Por acaso, a base de June ficava naquela ilha e os dois, que tinham trocado algumas bonitas palavras e se viam pela primeira vez, decidem ficar juntos. Peter não sobreviveu, todavia, o Mensageiro, responsável por levá-lo ao “Outro Mundo”, o perdeu de vista na neblina. Dessa forma, o aviador ficou na Terra, ganhando uma segunda chance. As coisas não são tão simples assim, o Mensageiro não desceu a passeio. Hábil com as palavras, Peter sustenta que se apaixonou nesse período e que merece, no mínimo, um julgamento, já que foram os seres eternos que falharam.

June não acredita no que ele diz, mas avisa a Reeves, o neurologista local, que seu raciocínio é lógico. Distúrbios? Insanidade? O protagonista se vê numa encruzilhada, preso a duras realidades em universos diferentes. Para sua sorte, Reeves, apesar de não reconhecer sua história, é um médico competente, que percebe a fragilidade de uma mente afetada e mergulha na fantasia. Enquanto Reeves organiza uma cirurgia emergencial, o Mensageiro apressa Peter, que deve escolher um advogado de defesa. Todos os mortos estão disponíveis, incluindo Platão, Sócrates e Abraham Lincoln, no entanto, ele acredita que somente um contemporâneo seu entenderia a relevância do amor.

Mas, afinal, esse é o drama de um homem lidando com traumas da Guerra ou uma fantasia? As possibilidades se confundem na medida em que Michael Powell e Emeric Pressburger contemplam a imaginação/eternidade em sua completude. A pureza do romance rompe as barreiras mais intransponíveis possíveis. 

A dupla é bastante otimista em seu retrato da Terra, banhada a cores vibrantes e marcada pela natureza. “Que falta faz o Technicolor lá em cima”, diz o Mensageiro, em sua primeira viagem, numa ironia metalinguística que faz jus ao perfeccionismo dos cineastas. O “Outro Mundo”, coberto pela fotografia em preto e branco, é, simultaneamente, melancólico e reconfortante; é frio e pouco apaixonante, mas representa uma continuidade, descartando a ideia de fim.

As transições de um universo para o outro são de uma elegância ímpar, podendo refletir o estado de espírito de um personagem específico. No seu momento de maior aflição, Peter está pálido e o retorno às cores denotam alívio. As fusões não estão obrigatoriamente relacionadas aos diferentes espaços – as grades que são sobrepostas pelo rosto do protagonista ressaltam a sua condição de prisioneiro dessa “maldição”.

A escadaria interminável e o anfiteatro gigantesco são méritos de uma direção de arte inventiva. Os cenários, além de estarem à frente de seu tempo, impressionam pela magnitude e conversam com a ideia de eternidade e do julgamento em questão. Powell e Pressburger, ao lado do diretor de arte, usam outros recursos para conferir textura e uma profundidade maior aos cenários, como, por exemplo, o Matte Painting, cuja finalidade é dar “continuidade” a ambientes inexistentes. Os intensos feixes de luz ajudam na concepção de uma atmosfera celestial.

Os planos subjetivos de Peter, a caminho da cirurgia, salientam sua fragilidade – física e psicológica -, tornando tudo ao redor assustador. No julgamento, o advogado de defesa e o promotor ficam em “plataformas” elevadas, potencializadas pela opção por contra-plongées, que reforçam a relevância dos dois e o embate de pensamentos. Farlan é um sujeito inteligente, entretanto, faleceu há décadas e tem uma visão retrógrada e distorcida da realidade. Seu preconceito direcionado aos ingleses muda o jogo e Reeves, que morre num acidente e assume o cargo de advogado do aviador, é polido e incisivo.

Na sequência mais icônica do filme, eternidade e finitude se encontram – o júri vai até a sala de cirurgia e se convence de que o amor entre June e Peter é verdadeiro. Os ângulos holandeses evidenciam a estranheza daquela ocasião, vista e admirada apenas nas grandes telas.

O design de som é essencial na construção da tensão. Quando o Mensageiro vai à terra, o tempo congela e tudo que escutamos são as vozes dele e do protagonista. Na operação, os close ups, somados ao barulho exclusivo dos batimentos cardíacos acelerados, deixam o espectador na ponta da cadeira.

David Niven, Kim Hunter e Roger Livesey são talentosos e cumprem seus papéis com precisão, mas deixam o show para o restante da equipe.

-Nós vencemos.

-Eu sei, querido.

“A Matter Of Life and Death” é uma obra prima que entende que nada é mais forte que o amor, nem mesmo o fim.

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