“Porque ninguém que conheci me fez sentir tão certo e inseguro; tão importante e insignificante”. Quando um filme começa com uma frase dessa magnitude, narrada em voice-over, sabemos que estamos diante de algo significativo. A grande questão é: o cineasta será capaz de retratar tal sentimento com a sensibilidade necessária? Ao subir dos créditos (na verdade, bem antes), tive a convicção de que Robert Mulligan havia realizado algo diferente; algo que a maioria dos artistas não têm a capacidade de fazer. Em “Summer of ‘42”, todos os enquadramento e movimentos de câmera são dotados de uma delicadeza incomparável – uma história que poderia ser mal vista pela maioria, ganha contornos poéticos e simbólicos.
Hermie, Oscy e Benjie, três grandes amigos, passam o verão numa ilha. Diferentemente dos outros dois, Hermie, apesar de reunir todas as características comuns a um jovem em plena puberdade, é sensível e tende a olhar para as garotas de uma maneira menos superficial. Dorothy já é uma mulher e seu marido foi servir os Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial. Ao colocá-la em câmera lenta, Mulligan nos oferece a perspectiva de Hermie, que enxerga em Dorothy uma paixão platônica e o desejo em estado pleno. Os planos-detalhe do corpo da moça exploram o despertar sexual de um garoto que não sabe exatamente o que é uma camisinha e que não sabe como controlar seus hormônios; por outro lado, o nervosismo, a fala espontânea e a pureza de seus gestos afetuosos reforçam a genuinidade de um sentimento imensurável e, até então, desconhecido. Pouco é dito, o que salienta o caráter sutil e humano do cinema de Mulligan. “Não quero só dormir com ela. Eu a respeito”.
Antes de qualquer interação entre os dois, os zooms (por vezes, precedidos por panorâmicas) estabelecem uma conexão invisível, aproximando o espectador dos personagens. Em um plano conjunto, Dorothy, vestida de branco, ao lado de uma cortina “flutuante”, remete a um anjo que entrou sem aviso na vida da protagonista. O que falar do enquadramento em que Hermie, em primeiro plano e a uma considerável distância, observa a casa da amada? As rosas vermelhas não ficam na mesa à toa; aquela conversa é o ponto de partida para algo especial – Mulligan sabia fomentar intimidade como poucos. A predominância por espaços abertos, a geografia particular da ilha e o verão são elementos que contemplam as necessidades de um “coming of age” e o desabrochar do protagonista. A fotografia traz um aspecto nostálgico à narrativa, respeitando a estação mais quente do ano, ao mesmo tempo em que demonstra empatia pelos personagens. Dorothy é gentil e simpática. Assim como Hermie, não sabemos muito sobre ela, o que ajuda na concepção dessa aura mística e etérea – descobrimos seu nome apenas no último ato, quando Hermie, tímido, finalmente a pergunta.
Embora lembremos do romance, o protagonista passa a maior parte do tempo com Oscy. A amizade adolescente está ali; em cada interação, na ingenuidade e no humor involuntário que nos proporcionam – as cenas do cinema e da farmácia são retratos primorosos de uma fase que passa rápido. Ao focar na dinâmica entre os melhores amigos, o roteiro reflete sobre os diferentes caminhos que ambos estão trilhando. Oscy pensa somente em sexo, não à toa, fica obcecado por um livro de educação sexual. Ele não se importa com quem será sua primeira vez, é do tipo que se vangloria e não entende o comportamento de Hermie, que percebe, aos poucos, que está diante de um jovem imaturo e insensível; alguém que o interessa cada vez menos.
A sequência mais famosa do filme é marcada por carinho e melancolia; descoberta e afeto. O silêncio permite que possamos ouvir o vento e notar as nuances de um momento que ficará eternizado na mente de Hermie. Algumas noites significam mais do que uma vida inteira. Mulligan filma seu protagonista com o cuidado de um cineasta que sabe que está capturando algo raro, transformador e doce. Nesse sentido, há de se elogiar a performance de Gary Grimes, que apresenta um nível elevado de complexidade emocional sem diálogos expositivos e sem abandonar a inocência referente à sua idade – existe uma certa angústia naquele confusão. Jennifer O’Neill é precisa em sua composição. Sua personagem é a idealização máxima, mas não é vazia ou imune a sentimentos, pelo contrário. Não poderia deixar de citar a icônica trilha sonora composta por Michel Legrand, que venceu, merecidamente, o Oscar. Aquela melodia ecoa tudo o que há de melhor em “Summer of ‘42”.