Antes de qualquer coisa, gostaria de ressaltar o meu espanto pelo desconhecimento da maioria acerca de “Vision Quest”, uma verdadeira joia oitentista que oferece ao espectador o que há de melhor nos “coming of age”. São raros os personagens que capturam os anseios do adolescente à beira da vida adulta, ao mesmo tempo em que acumulam características tão singulares. Louden Swain está sempre em movimento, correndo para se exercitar e garantir que o tempo passe. Um dos destaques da equipe de wrestling, Louden, a fim de enfrentar Shute, o lutador mais temido da cidade, quer descer de divisão. No seu último ano de escola, o protagonista deseja realizar algo e, quem sabe, deixar uma marca eterna. O jovem é, por natureza, um ser contraditório: embora o imediatismo corra em suas veias, ele tem sérias dificuldades em aproveitar o “agora”. Suas atenções estão voltadas aos treinos e aos estudos, quando, na verdade, nada parece fazer sentido. O que seria capaz de colocar Louden em contato com o presente? Sim, é isso mesmo que vocês estão imaginando.
O grande mérito de “Vision Quest” é alinhar os clichês do gênero a uma originalidade que nunca perderá o prazo de validade. Louden pensa em ser médico espacial e raramente tira seu macacão de borracha, fundamental no seu processo de perda de peso. Talvez ele esteja correndo atrás de si; talvez esse desafio extremo seja uma forma de encontrar algum sentido para sua existência; talvez ele ainda não tenha percebido que está no caminho certo. Carla é uma jovem artista que, sem ter onde ficar, é acolhida por Louden e seu pai. A diferença etária é destacada nas diferentes reações; todavia, o que mais interessa são as diferentes personalidades. Louden é um sonhador ingênuo e curioso; Carla é introspectiva, rígida e resignada. Sinceramente, eu não me recordo de um filme desse tipo que retrata a paixão juvenil com tamanha autenticidade. O olhar desconcertado, a timidez corporal e os sorrisos embaraçados são demonstrações poderosas de alguém que teve seu organismo modificado.
O roteiro não para no primeiro degrau, entendendo que tais sentimentos são acompanhados pelo fervor sexual. “Penso seriamente em ser ginecologista. Quero achar dentro da mulher o poder dela sobre mim”. Em determinado momento, Louden, preso aos exercícios e à dieta anoréxica, desmaia. Sua primeira hipótese é um desequilíbrio de nitrogênio; a segunda, que sofre de priapismo, distúrbio conhecido pela ereção prolongada. Um dos grandes baratos do filme é o caráter racional do protagonista, que sabe tudo sobre metabolismo e biologia, mas não sobre questões emocionais. Ah, e o tema para o artigo do jornal da escola não poderia ser outro a não ser o clitóris. O tesão, ligado ao lado animal do ser humano, leva Louden a fazer coisas que não gostaria; o amor o obriga a transitar numa linha tênue entre o entusiasmo e a decepção. “A mulher dos meus sonhos mora comigo. Vejo ela todo dia, mas ela me acha imaturo, o que é, mais ou menos, verdade”. Sabemos que ele encontrará um ponto de controle e que amadurecerá, assim como sabemos que Carla fica lisonjeada com a afeição do “novo amigo”.
Para o bem e para o mal, Louden passa a viver o “agora”, correndo com a intenção de chegar até a amada; malhando para extravasar a frustração. A montagem, a partir de cortes secos, traduz o temperamento jovial e impulsivo do protagonista. A escolha pela natureza para a consumação do amor é bastante apropriada; no entanto, o plano que melhor sintetiza a “nova fase” é aquele em que os dois, deitados, em contraluz, se aproximam até se transformarem numa única unidade. O amor por Carla possibilita que enxerguemos o tamanho de seu amor pelo wrestling – a entrega física do protagonista é uma prova de amor ao esporte, a si e aos demais. É tudo sobre os momentos gloriosos; os minutos em que a celebração emociona e os segundos em que ficar ofegante é um bom sinal; as grandes e as pequenas vitórias; enfim, o presente. A grande luta é conduzida espetacularmente pelo diretor Harold Becker, que mantém o espectador no centro da ação, enquanto, com o auxílio da montagem, mostra a reação dos coadjuvantes. A câmera lenta surge no instante perfeito, conferindo traços épicos ao desfecho e fazendo jus à fama de Shute, que, além de ser descrito como um animal, é apresentado carregando um tronco de madeira nas costas.
A seleção musical é o toque de mestre – esse filme é uma celebração aos anos 80. Linda Fiorentino dá vida a uma jovem sensual, insegura em relação a si e encantada com a genuinidade de um rapaz que não tem medo de expor sua vulnerabilidade. Matthew Modine nunca esteve melhor. Sua interpretação é um verdadeiro sopro de ar fresco, capaz de encantar e encorajar o espectador. Há algo inusitado em Louden e Modine abraça tais peculiaridades com uma humanidade louvável.
“Vision Quest” é uma maravilha.