“O futuro é para todos” é o slogan do Brasil de “O Último Azul”, dirigido por Gabriel Mascaro. Todos os idosos, a partir de 80 anos, são enviados para a “Colônia”, um espaço de isolamento absoluto, que, para alguns, aqueles que já perderam o vigor, pode ser visto como a possibilidade de, enfim, descansar. Este não é o caso de Tereza, que, aos 77 anos, ainda demonstra ser uma mulher curiosa e vivaz. O cartaz colocado pelo governo na porta de sua casa é uma afronta “amigável”. Ela é tratada como um sub-humano, alguém que viveu o bastante e que não faz mais parte do ecossistema social. Tereza trabalha num frigorífico, não se acomoda e sonha em voar de avião. A comunidade, com seus “puxadinhos” e espaços abandonados, exala desesperança. Os donos do poder, cansados da velha guarda, alteram a lei, obrigando os idosos de 75 anos a se transferirem para a “Colônia”. A protagonista, então, na ânsia de viver e de explorar o desconhecido, faz de tudo para burlar o sistema.
Em determinado momento, uma de suas amigas, adepta à ideia do isolamento, pergunta por que ela não realizou esses desejos anos atrás. Com dois empregos e uma filha para cuidar, Tereza tinha suas prioridades traçadas – o drama de mães solteiras que vivem em situações precárias. Os idosos são vistos como criminosos culpados e condenados pela idade; seres que não podem ir longe demais e que precisam mostrar a identidade até para comprar um açaí. Sem opções, já que viajar de avião é uma violação, Tereza consegue a ajuda de Cadu, um barqueiro solitário e pragmático. Ele a leva para Itacoatiara, onde são realizados voos de ultraleve. No caminho, os dois estabelecem uma relação curiosa, calcada nas diferentes personalidades e na crescente intimidade. Cadu também é um ser à margem da sociedade, afinal, trabalha clandestinamente e nutre uma esperança quase inviável: reencontrar o amor de sua vida. A empatia nos leva a interações engraçadíssimas, nas quais enxergamos o espírito desbravador e jovial de Tereza.
Os planos gerais, além de belíssimos, exploram a geografia labiríntica do Amazonas, salientando os percalços com que a protagonista se deparará. A fralda é o símbolo da resignação e ela não está disposta a se entregar. O filme assume uma estrutura de “Road Movie” (troquem os carros por barcos), o que confere fluidez à narrativa e permite que o espectador conheça, de fato, Tereza. Roberta, que ganha dinheiro vendendo bíblias digitais, vira sua grande companheira e é outra prova de que as boas pessoas estão por aí. A cena da dança e da cantoria é um exemplo de que um filme não precisa ser carrancudo para abordar um tema complexo e alarmante. Outra sequência importante é aquela em que a protagonista, após experimentar uma droga peculiar (o caracol azul), faz uma aposta de alto risco. Os fortes tons de vermelho, azul e verde, somados à potência do design de som, destacam o estado alegre e entorpecido de Tereza. A idade é um número; a verdade está na natureza individual e no estado de espírito. O desfecho é impecável, um genuíno sopro de esperança.
O elenco conta com talentos do tamanho de Rodrigo Santoro, mas o show é, sem dúvidas, de Denise Weinberg, cuja performance poderia ser sintetizada por sua expressão facial no último close up. A atriz transmite a experiência decorrente das décadas e o ímpeto pela novidade, reforçando que, sim, essas características podem se confundir. Da mesma forma, Weinberg esbanja intensidade e vulnerabilidade.
“O Último Azul” é uma obra preciosa.