Skip to main content

Vencedor da Palma de Ouro em 1971, “The Go-Between” é o trabalho mais pictórico e emocionalmente carregado de Joseph Losey. O jovem Leo Colston vai passar as férias na mansão de Marcus Maudsley, seu colega da escola. A casa, com sua escadaria, quadros enormes e decorações suntuosas, coloca o protagonista em contato com uma nova realidade. “Os criados as recolherão. São pagos para isso”. Os planos gerais evidenciam um certo distanciamento daquela família em relação ao resto do universo.

Leo não trouxe roupas de verão e passa calor, levando os mais reputados a gargalhadas e brincadeiras provocativas. A única que acolhe o pobre coitado é Marian, que, logo de cara, é destacada por Losey, que a retrata como uma figura angelical e meiga. Ela decide levá-lo ao centro para comprar roupas apropriadas, no entanto, antes, precisa pedir permissão para a mãe. O protagonista a observa, fica encantado com sua gentileza e, rapidamente, se apaixona. Não me refiro a uma paixão carnal, mas a uma adoração inocente e rara.

Todos ao seu redor vestem roupas brancas ou beges e Leo, um estranho no ninho, passa a ser identificado pelo verde, cor que conversa com a pureza inerente à sua personalidade. Os Maudsley prezam por rituais e tradições que o protagonista desconhece. Hugh Trimingham carrega o título de Visconde e foi o escolhido pela família para se casar com Marian. Todavia, é Ted Burgess, o simpático fazendeiro local, quem pede ao garoto que entregue uma carta a ela. Leo não liga para o conteúdo do texto, sabe que sua melhor amiga ficará feliz ao receber a carta e isso é o que importa.

Aos poucos, ele nota que há algo de especial ali – aqueles não são simples sorrisos, partem de emoções inexistentes na mansão. Incumbido da comunicação entre “países estrangeiros”, Leo não percebe, porém, além de estar fomentando uma paixão inegavelmente genuína, está infringindo a principal regra dos Maudsley. Os passos alheios são controlados e, ao assumir a posição de carteiro, o garoto atravessava o limite pré-estabelecido pelos líderes.  

Através de olhares e da posição de ambos no quadro, Losey ressalta a cumplicidade entre Marian e o protagonista, que, em nenhum momento, pensa em contar aos demais sobre o seu pequeno segredo. Da mesma forma, não é necessário que Burgess explicite seus sentimentos – a inquietude de seu caminhar já é suficiente. Ter a confiança de pessoas que se amam era importante, uma das novidades nessa jornada que colocará Leo em contato com um universo particularmente injusto e cruel.

Ele abre uma das cartas e se depara com palavras estranhas. O garoto tinha uma ideia do que era o amor, mas não faz ideia do que amantes realmente fazem, nem o que é um amante. Em um plano simbólico, Losey une o carteiro, Burgess e Hugh, a partir de um contra-plongée, antes de uma partida de críquete – o verdadeiro jogo está naquele enquadramento. Um jogo em que contratos sociais se sobrepõem aos verdadeiros sentimentos. Na mansão, o amor é um capricho embaraçoso e nauseante.

Marcus avisa ao amigo que sua irmã está noiva do Visconde, o que, na sua mente, ainda em formação, não faz sentido algum. Ele entrega as cartas, conhece a verdade e não entende como alguém pode se comprometer a um matrimônio infeliz. Esse é o verão das descobertas. Primeiro, Leo encontra o amor na companhia de Marian; depois, constata que romances e namoros não se limitam a cartas; e, por último, deduz que a felicidade é uma ambição irreal no universo dos Maudsley. O protagonista, em seu arco, vai do encantamento e da ingenuidade ao ceticismo.

Se Marian irá se casar com Hugh, por que continuar entregando as cartas? Não seria errado? Não seria um desperdício de energia? Os apaixonados são cegos dispostos ao autoflagelamento, são mártires da própria existência.

“Nunca é culpa da mulher”, afirma o Visconde. Se ela nunca tem culpa, podemos concluir que não é um ser humano com direito de escolha; se ela nunca tem culpa, é porque nunca se expressou diante da família. Burgess tem duas opções: Marian ou a Guerra – o roteiro contempla a tragédia inerente aos romances fadados ao fracasso. “Não se pode esperar ser feliz o tempo todo, não é”?

O aniversário de Leo é marcado por tons frios e uma atmosfera nebulosa, que ressaltam a atual situação e o seu entendimento acerca do ambiente no qual está. Em sua trajetória, o protagonista, precocemente, é obrigado a escolher lados e valores morais que carregará para o resto de sua vida. Ele gostava de vê-los felizes. Era o mensageiro da alegria no reino da desesperança.

A beleza em “The Go-Between” é estonteante, o que é mérito de Losey e do diretor de fotografia. As vastas paisagens naturais combinam com a elegância dos Maudsley. O trabalho de reconstituição de época é magnífico, principalmente pela escolha dos figurinos – destaque para os trajes de banho e para o guarda-sol de Marian. A trilha sonora, composta por Michel Legrand, é imponente e responsável pela formação de uma atmosfera repleta de incertezas. Aquele piano quer nos dizer e fazer sentir algo. E consegue.

Julie Christie é uma especialista em interpretar personagens misteriosas e complexas. Dito isso, sua principal característica aqui é a doçura de uma jovem que acredita no amor mesmo tendo noção de sua impossibilidade.

Dominic Guard personifica a pureza infantil através de reações radiantes e de uma entonação vocal que exala inocência. Seu arco é poderoso e o ator o acompanha com propriedade.

“O passado é um outro país. Lá, as pessoas se comportam de forma diferente”.

O que você achou deste conteúdo?

Média da classificação / 5. Número de votos:

Nenhum voto até agora. Seja o primeiro a avaliar!