Monty Brogan irá para a prisão por posse de drogas. Ele tem apenas um dia de liberdade e pretende utilizá-lo da melhor forma. Este não é um filme leve e divertido sobre uma noite de farra. Lee não esquece dos bons momentos, no entanto, deixa claro, desde o primeiro segundo, que “25th Hour” é uma obra carregada de mágoas, arrependimentos, dúvidas e amor.
Monty vai até a escola na qual se formou, olha para a sua foto no time de basquete e solta um suspiro desanimado quando descobre que seu recorde de assistências foi superado. O protagonista não tem muito do que se vangloriar, apenas dois grandes amigos, um cachorro e uma namorada. Monty se meteu com pessoas que não deveria, os amigos do presente não são tão bons quanto os do passado. Sua mãe morreu há bastante tempo e seu pai, bêbado e solitário, não tinha nenhuma fonte de renda, levando Monty a uma busca desenfreada por dinheiro. O tráfico é simples, o lucro é generoso, mas as consequências são pesadas.
O protagonista não é um marginal, é um homem machucado e arrependido, cujo olhar vazio demonstra uma tristeza arrebatadora. Ele gostaria de ter filhos, criar uma família e viver grande momentos com os seus amigos. Infelizmente, são pensamentos que não o levam a lugar algum. Monty tem um dia, precisa se divertir, desvendar certos mistérios e se desculpar. Quem o entregou para a polícia? Naturelle? Por que?
Ela o ama ou é apenas uma interesseira? E seus amigos? Há como conhecer alguém inteiramente?
Jacob Elinsky é um professor de literatura. Obcecado por uma de suas alunas – uma das excelentes sub-tramas do filme -, ele é um homem inseguro e pacato, que tenta ver a dramática situação de seu amigo com o mínimo de otimismo; em contrapartida, Frank Slaughtery, acionista de Wall Street, é insensível e incisivo. A dinâmica entre os dois é fascinante, graças ao talento dos atores. Eles não poderiam ser mais diferentes. Jacob é tímido e gentil, enquanto Frank é mal-educado e ganancioso, no entanto, ambos dividem uma semelhança importante: a solidão.
O primeiro deixa isso muito nítido pela forma como se veste, a voz retraída e o receio de se abrir, já o segundo, usa uma máscara, trata a realidade como seu negócio, diz coisas com uma irreal segurança e se veste como um garanhão.
Eles jogam limpo, não escondem o que sentem e percebem que, ainda que cada vez mais distantes, são grandes amigos.
Prestem bem a atenção, o roteiro de Lee não é meloso, essa é apenas a minha impressão apreciando a dinâmica entre esses dois caras que vivem realidades completamente diferentes e se tratam com sinceridade. Os diálogos nos fazem rir, refletir, simultaneamente, admirá-los e execrá-los, e, principalmente, se relacionar com ambos.
Jacob e Frank se complementam e representam um raríssimo equilíbrio que Monty podia se orgulhar de ter. Um diz coisas bonitas, é inteligente e é um ponto de segurança, o outro escuta as sujeiras, precisa arrumar soluções e tem uma retórica firme.
E o protagonista? O que sete anos preso representam? O tempo é apavorante, mas é o interior que realmente preocupa Monty. Nas ruas, ele é reconhecido e respeitado, contudo, no presídio é apenas um branquelo magro – um alvo óbvio e fácil.
Será que Monty suportaria isso? Será que sobreviveria? Seus olhos e sua expressão facial não escondem a verdade e essa é a grande força dramática do roteiro de Lee. “25th Hour” não é um filme sobre um jovem que vai pagar por seus erros e retornará regenerado. Monty não é um criminoso e sabe que o encarceramento é apenas um eufemismo para o seu fim.
Como lidar com o peso de um dia desses? O protagonista não fica o tempo inteiro chorando e pedindo socorro. A tristeza está no seu encontro com o pai, no olhar melancólico da namorada, na descrença dos amigos e na desesperança de Monty. O roteiro de Lee é poderoso e humano, não ficando apenas na iminência da tragédia, mas também no momento em si, logo, além do tom fúnebre, temos sequências engraçadíssimas, tensas e descontraídas.
Outro sentimento em comum entre os personagens é a culpa. Todos se responsabilizam pelo destino de Monty: o pai deveria ser mais presente, Frank poderia ter sido mais enfático em relação aos malefícios do tráfico, assim como Naturelle, entretanto, a verdade é que o único responsável é o próprio protagonista e ele sabe disso.
A trama é surpreendente, não em seu desenvolvimento, mas em sua complexidade e o terceiro ato entrega ao espectador momentos impactantes e inesquecíveis. Um em especial me chamou a atenção por ser a representação máxima e visceral sobre o significado de uma amizade.
O final é, ao mesmo tempo, belíssimo, criativo e arrebatador.
A fotografia e a trilha sonora ditam o tom do filme, através de paletas acinzentadas e melodias taciturnas. Monty caminha pelas ruas com um casaco preto e o tira apenas na boate, único momento de descontração.
A luz vermelha tem a conotação de violência e dor, mas também se refere ao desejo carnal e a culpa que Jacob sente por querer sua aluna.
A direção de arte caminha no mesmo sentido, já que as paredes da boate são da mesma cor.
Praticamente todos os ambientes são escuros e pouco marcantes. Monty é destacado pelas sombras e a sala de seu chefe tem a textura de um caixão prestes a ser fechado.
Monty é apelido de Montgomery, nome dado por sua mãe, grande fã do ator Montgomery Clift, famoso por ter morrido cedo demais. Não é uma coincidência, é uma forma elegante de indicar para o espectador o que o protagonista aguarda.
A direção de Spike Lee é leve e fluida. Claro, suas marcas registradas aparecem – destaque para um longo plano que precede uma atitude impulsiva de Jacob e o “Double Dolly”, utilizado para enfatizar a tentação que ele sofre. Alguns planos fechados colocam determinados personagens em uma posição de superioridade ou denotam fragilidade, mas, de modo geral, Lee deixa o show para o seu elenco. Os resquícios do onze de setembro são bem explorados pelo diretor, que homenageia a cidade que tanto ama e correlaciona o atentado com a trajetória do protagonista.
A montagem é extremamente ativa e segue um padrão similar ao de “Bamboozled”. O uso de flashbacks é preciso ao mostrar como era feliz a vida de Monty. Vale ressaltar a sequência que introduz Frank, apresentando Wall Street como um ambiente hiperativo e doentio.
O saudoso Philip Seymour Hoffman está em sua zona de conforto e sua performance é absolutamente sensacional. Sua insegurança e seu receio são brilhantemente representados a partir de trejeitos, entonação vocal e da distância que ele mantém de sua aluna.
Barry Pepper mantém o nível e oferece uma interpretação repleta de vigor, vitalidade e emoção. A princípio, o vemos como um sujeito duvidoso, no entanto, com o tempo, entendemos o seu jeito e enxergamos o seu lado agregador.
Edward Norton está irretocável. Sua performance é delicada, humana e brutal. Sua caracterização é repleta de nuances e dói pelo grau de honestidade. O monólogo no banheiro é uma obra prima por si só, uma cena que sintetiza a filmografia inteira de Spike Lee.
“25h Hour” não é o filme mais importante, nem o mais famoso, nem o mais audacioso da carreira de Spike Lee, mas é, na minha opinião, o melhor.
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