Chris e Annie se encontram por acaso, se apaixonam, se casam, têm filhos e sofrem com suas perdas. A introdução de “What Dreams May Come” é propositalmente rápida, afinal, as grandes discussões surgem quando adentramos outro território, um que imaginamos, mas não temos ideia se realmente existe. Marie e Ian morreram em um acidente de carro e, alguns anos depois, o mesmo aconteceu com Chris.
Ele vai para o céu; antes, entretanto, assiste toda a dor de sua solitária e amada esposa. Os principais méritos desse filme estão na direção de arte, na fotografia, nos efeitos visuais e na inventividade do diretor, que idealiza a eternidade de uma forma única, vistosa, mágica e encantadora.
Chris é acompanhado por um “mestre”, Albert, que lhe apresenta o território e explica que tudo ali surge das mentes de cada pessoa, ou seja, você decide ver o que quer. No caso do protagonista, seu mundo é pitoresco, marcado por flores, tintas guache, cores vivas e imagens pintadas por Annie. É reconfortante ver o infinito, ainda mais quando podemos moldá-lo às nossas preferências. De certa forma, Chris estava ao lado de sua mulher, tudo ao seu redor remetia aos belos momentos que viveu com ela. Além de tons vibrantes e paisagens exuberantes, vislumbramos seres que voam e literalmente qualquer coisa que desejarmos. É preciso acreditar que você pode andar sob a água para conseguir e o mesmo vale para voar e correr em uma velocidade inimaginável.
Quando entramos nesse céu, escolhemos quem queremos ser e, por mais que Chris não encontre seus filhos de imediato, eles estão lá. Os reencontros são tocantes e surpreendentes, não só pelos diferentes corpos que Marie e Ian habitam, mas, principalmente, pela montagem, que realiza belas rimas entre passado e presente. Amoroso e presente, Chris sabe que cometeu erros. Poderia ter sido mais carinhoso na hora de ensinar xadrez a filha e passou dos limites ao projetar no filho a imagem do aluno perfeito. Cada indivíduo tem suas próprias dificuldades e desistir de algo por não ser o melhor denota insegurança e falta de empatia. Chris tem consciência de suas palavras e, mesmo demonstrando arrependimento quanto ao passado, precisa de pelo menos mais um abraço, uma oportunidade de expor o amor que sentia pelos dois. Ambas as cenas são belíssimas e fundamentais para um filme que trata de segundas chances, aquelas que não sabemos se teremos algum dia.
No velório, o protagonista fala sobre Ian e o tipo de homem que ele se tornaria. O momento é comovente, é a prova concreta de sua profunda admiração e paixão pelos filhos.
Chris e Albert conseguem ver o que Annie está fazendo na outra dimensão, provando que os dois são almas gêmeas, cujas energias estão sincronizadas. Sua nova pintura surge no cenário do marido e, gradativamente, se desmantela, reforçando a sua fragilidade emocional, que a leva a cometer suicídio. Apesar do princípio de tristeza, Chris se anima com a possibilidade de rever seu grande amor. No entanto, por ter violado a lei natural da vida, Annie não vai para o céu e, sim, para o inferno. Chris que ir até lá, mas Albert é enfático ao dizer que é impossível atravessar essa fronteira.
O protagonista é tão firme quanto seu “mestre”, afirmando a enormidade de seus sentimentos e do que seria capaz para reencontrar Annie. O grande problema é que, diferentemente das pessoas que vão para o céu, os que chegam ao inferno perdem sua consciência, a capacidade de imaginar e de perceber quem são aqueles que estão ao seu redor. Ela não se lembraria de Chris. No entanto, nada mudaria seu desejo, nem que fosse apenas para se despedir da mulher de sua vida.
Nesse caminho, o trabalho técnico de toda a equipe envolvida no projeto volta a ficar evidente. O contraste entre os ambientes é abissal, sendo o inferno tomado por chamas, corpos rastejantes, cores frias, arquiteturas moribundas e rostos perdidos. Vale ressaltar a presença do guia, interpretado por Max Von Sydow, que impressiona pela sabedoria e imponência. A montagem, bastante presente, é primordial para compreendermos os fantasmas e os arrependimentos de um homem tão radiante e generoso como Chris. No momento mais duro de sua vida – a morte dos filhos -, ele se manteve firme, enquanto Annie se deteriorava física e mentalmente. O protagonista a internou e, ao invés de encarar a dor e se unir à esposa, se afastou, criando uma falsa zona de conforto, incapaz de esconder seu medo.
Chris não pode ficar muito tempo com Annie, pois perderá sua consciência. A sua forma de se aproximar dela, uma “desconhecida”, é delicada e tocante. O protagonista fala sobre sua vida sem dar nome aos envolvidos, coloca sua falecida esposa em um pedestal e descreve cada detalhe de sua intensa relação com ela. Seu choro é genuíno, Chris está feliz e triste em revê-la e é exatamente isso que torna essa a cena mais bela e potente do filme. Nenhum lugar é tão ruim se você está ao lado da pessoa que ama. O roteiro propõe algumas reviravoltas – nada mirabolante – e, dentro dos três possíveis desfechos, escolhe justamente o pior.
O diretor Vincent Ward merece elogios por idealizar um universo tão rico, original e deslumbrante. Poucas experiências são tão marcantes no aspecto visual quanto “What Dreams May Come”, um belo conto sobre amor, arrependimento e segundas chances. É triste, porém otimista quando paramos para pensar na concepção de céu desenvolvida pela equipe envolvida no projeto.
Robin Williams oferece uma performance emocionalmente rica, que vai de sua habitual pureza e alegria para momentos carregados de dor, sensibilidade e amor. Williams combina com a eternidade criada por Chris e eu espero, sinceramente, que ele esteja lá.
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