Dog day afternoon, de Sidney Lumet. EUA, 1975. 125 min.
Imagine um dia em que tudo dá errado – e que este é o dia que você escolheu para assaltar um banco e usar o dinheiro para pagar a operação de mudança de sexo de seu namorado. É esta a trama de Dog day afternoon, estrelado por Al Pacino – o primeiro ator famoso de Hollywood a interpretar um personagem abertamente homossexual no cinema em uma produção que foi indicada ao Oscar em seis categorias (inclusive na de melhor filme). Se Brokeback Mountain já causou polêmica, imagine o que aconteceu 30 anos antes. E tem mais: o filme é baseado em uma história real.
Em agosto de 1972, três rapazes assaltaram uma filial do Chase Manhattan Bank em New York. Um deles era John Wojtowicz, que tentava obter dinheiro para pagar a operação de readequação sexual do namorado, Ernest Aron. O plano não deu certo, Wojtowicz acabou mantendo reféns por 14 horas dentro do banco cercado pela polícia e tornou-se uma celebridade instantânea na mídia sensacionalista.
O filme Dog day afternoon foi baseado em um longo artigo publicado na revista Life sobre o assalto frustrado e que descrevia John Wojtowicz como “um homem magro, de cabelo negro, bonito como Al Pacino e Dustin Hoffman.” Quando Pacino foi realmente abordado para o projeto, sua primeira reação foi recusar o convite alegando estar exausto depois de participar de O poderoso chefão 2. O diretor Sidney Lumet então ofereceu o papel a Dustin Hoffman, e Pacino mudou de ideia prontamente para não dar esta colher de chá ao rival. Valeu a pena: mesmo tendo sido hospitalizado durante as filmagens por estafa, Pacino conseguiu realizar o que é até hoje considerada sua melhor performance.
Os aspectos técnicos do filme são também ousados: exceto pela cena de abertura, não há qualquer trilha sonora ou instrumental, os atores vestiram suas próprias roupas e não usaram maquiagem, e a produção foi praticamente toda realizada com luz natural – e sem roteiro.
O diretor de TV e roteirista Frank Pierson estava sob contrato com a Warner para desenvolver um filme. Vendo o prazo vencendo e já tendo gasto o dinheiro do adiantamento, ele achou que a história de Wojtowicz seria uma boa ideia e a usou para escrever uma sinopse. O diretor Sidney Lumet foi convocado, e decidiu que o texto deveria ser improvisado pelos atores. Só depois que o filme foi lançado (e aclamado pelo público e pela crítica) Pierson escreveu o roteiro oficial com os diálogos criados pelos atores – e assim ironicamente recebeu o único Oscar de todos aos quais o filme foi indicado.
Em setembro de 1975, logo depois que Dog day afternoon foi lançado, John Wojtowicz enviou uma carta ao jornal The New York Times para contar sua versão dos fatos. O texto foi recusado, mas foi impresso (junto com a carta de negação do Times) no Gay Sunshine. No artigo, Wojtowicz esclareceu suas motivações dizendo que Ernest Aron era um homem em corpo de mulher, que havia tentado suicídio por não conseguir realizar a operação de mudança de sexo e que por isso havia sido enviado a uma clínica psiquiátrica contra sua vontade. “Eu então fiz o necessário para salvar a vida de alguém que eu amava muito. A Bíblia diz que não há amor maior do que dar sua vida a outra pessoa”, escreveu. Wojtowicz fez também críticas a tudo que não condiz com a realidade no filme, elogiou a direção de Sidney Lumet e a atuação do elenco e terminou o texto citando uma oração dos alcoólicos anônimos: “‘Deus, conceda-me serenidade para aceitar as coisas que não posso modificar, coragem para modificar aquelas que posso e sabedoria para reconhecer a diferença’. Estas são as palavras pelas quais eu vivo hoje.”
Com o dinheiro recebido pelos direitos de filmagem de sua história, John Wojtowicz conseguiu pagar a operação de readequação sexual do namorado. Este veio a falecer cerca de 15 anos depois, vítima de complicações em decorrência de aids. Wojtowicz cumpriu pena de 20 anos de prisão e morreu de câncer em 2006.
Em Dog day afternoon, John Wojtowicz tornou-se Sonny Wortzik e Erners Aron foi chamado de Leon Schermer. O filme foi lançado quase três anos após o assalto, e o realismo com o qual foi feito contribuiu para transformar um roubo a banco em um tocante drama humano que imprimiu o retrato de uma geração através do anti-herói protagonista – que na cena mais emocionante refere-se “à minha mulher Leon, a quem eu amo mais que um homem jamais amou outro homem em toda a eternidade.”
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