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Baseado em crônicas de Nelson Rodrigues, “Traição” é dividido em três histórias. “O Primeiro Pecado”, dirigido por Arthur Fontes, nos transporta a um ambiente tipicamente “rodriguiano”, com direito a bares e um linguajar carioca. Inexpressivo, Mário mal é notado pelos “colegas”. Eis que, na fila do ônibus, ele conhece Irene, que é casada com um sujeito que, segundo a própria, “não faz mal a uma mosca”. Na cabeça do protagonista aquilo não faz sentido, afinal, se o marido é tão bom, por que ela o trai? “A esposa desiludida é sempre uma grande mulher”, afirma Jordão, perito no assunto.

A montagem estabelece rimas visuais elegantes, como, por exemplo, quando a fumaça do cigarro de Mário segue os rastros do disparo de uma arma. O plongée, além de expor a decadência de seu apartamento, ressalta sua solidão e total falta de jeito. Sedutora e comprometida, Irene representa um prêmio a ser conquistado. Fontes traz uma forte nostalgia à tela, tratando a boemia carioca da década de 50 como algo essencial à narrativa.

A moça carrega consigo um aspecto misterioso; a todo instante, achamos que algo inusitado acontecerá. Mas não, esse é um conto sobre a fragilidade masculina. Irene estava apenas curiosa e Mário, apesar de se sair pessimamente no aguardado encontro, o utiliza para se vangloriar diante daqueles que o ignoravam.

Dirigido por Cláudio Torres, “Diabólica” é o segmento mais ambicioso e interessante da obra. A saturação da luz é um bom indicativo: Dagmar e Geraldo anunciam o casamento. Alice, o diabo vestido de anjo, de somente 13 anos, é a irmã de Dagmar. O uso de câmera lenta direciona nosso olhar à garota. Todos a admiram e enxergam na sua beleza algo inacreditável. A primogênita teme por suas investidas e pede ao noivo para ficar de olhos abertos. “Diabólica” inicia com Geraldo, em meio a uma chuva torrencial, carregando Alice, morta, para a delegacia. Ela seduz o cunhado, que, mesmo se esforçando, não consegue esconder o desejo que sente.

É justamente com um suéter vermelho que Geraldo se entrega ao pecado. A partir daí, ele se vê nas mãos de uma chantageadora que faz o possível para impedir o casamento. Os tons frios/azulados e as sombras contrastam com o vermelho, fomentando uma atmosfera trágica, convidativa e sinistra – trabalhos incríveis de fotografia e direção de arte. Alice, a “Lolita diabólica”, é uma figura hipnotizante, não à toa, sempre que divide o espaço com Dagmar, a inibe.

Os múltiplos espelhos destacam sua presença marcante e a encruzilhada na qual Geraldo se meteu. O plano de sua morte é tão bem elaborado, que parece ter sido concebido por Brian De Palma. O desfecho, um verdadeiro show de revelações, é a prova de que Nelson Rodrigues era um gênio.

“Cachorro” é o segmento mais objetivo e simples do filme. O marido flagra sua esposa e o melhor amigo num motel barato. Furioso, ele está decidido a matar os dois, mas hesita. O amor, segundo o protagonista, é uma massa volumosa que o esmagou de felicidade. O amor, agora, encheu seu coração de horror. “Cachorro” é intenso nas interpretações, na locação restrita e suja, nos planos fechados e na predominância do vermelho – presente na parede, na roupa de cama e, claro, no sangue. O roteiro ainda encontra boas tiradas tragicômicas. “Você trepou com esse cara por que ele falou que você era triste?” Inteligente ao abordar a gangorra amorosa, este é um encerramento sólido.

Como o título diz, o filme se propõe a discutir diferentes tipos de traição, montando um painel cativante e honesto. Os cineastas conseguem imprimir o magnetismo dos textos de Nelson Rodrigues aos seus diferentes estilos narrativos, o que é uma façanha. Pedro Cardoso, Fernanda Torres, Daniel Dantas, Ludmila Dayer e Alexandre Borges são os maiores destaques do elenco.

“Traição” é um belo exemplar do cinema nacional.

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