Acima de qualquer rótulo, “The People Vs. Larry Flynt” é um aviso. Um filme que explora os limites da liberdade de expressão e prova como “pequenas bobagens” podem comprometê-la. O conteúdo da revista “Hustler” é baixíssimo e, sim, afronta tradições americanas. Porém, de qualquer forma, ela é um veículo de comunicação que satisfaz uma boa quantidade de pessoas.
Impedir a produção da “Hustler” pode parecer uma besteira, mas não é. A partir do momento em que uma revista é calada por não agradar uma parte poderosa da sociedade, abrem-se portas para uma censura em série, o que resultaria no fim da liberdade de expressão.
Larry Flynt é um sujeito difícil e atabalhoado, mas sua indignação é legítima e o roteiro é sensível o suficiente para transparecer isso, através de discursos inspiradores.
“What is more obscene: sex or war?”
A trama segue a trajetória meteórica do protagonista e os ataques constantes promovidos por figuras importantes ao conteúdo da revista “Hustler”.
Interpretado por Woody Harrelson, Larry Flynt surge como uma figura excêntrica, que, rapidamente se torna poderosa e tem dificuldades em lidar com a fama. O caso seria consideravelmente mais fácil se o protagonista tivesse o mínimo de respeito com as autoridades e principalmente com o seu advogado. O ator trabalha muito bem os diferentes estágios da vida de Flynt. As excentricidades estão sempre lá, no entanto, há algumas alterações notáveis, tanto de comportamento, quanto nos trejeitos.
O protagonista é um sujeito extremamente engraçado, que debocha de absolutamente qualquer coisa. Seria fácil não o levar a sério, mas Harrelson, através de entonações e olhares precisos expõe sua angústia. O espectador se simpatiza com Flynt, pois, apesar de todas os seus exageros, ele é um homem injustiçado, que não quer nada além de sua liberdade de expressão.
Como disse, Larry Flynt apresenta facetas distintas e Harrelson as caracteriza com propriedade. Ressalto aqui o trabalho vocal do ator, que após ficar paraplégico demonstra uma impotência tremenda. É como se sua masculinidade tivesse sido atacada.
A religiosidade cega é engraçadíssima, contudo, a faceta mais interessante é a do marido apaixonado. Sua esposa, Althea, também sofre com o poder obtido e entra em uma rota de autodestruição impressionante.
Preso a uma cadeira de rodas e submetido aos constantes mandados de prisão, Flynt se vê impotente em todos os sentidos: não a satisfaz sexualmente e nunca está presente para resgatá-la das drogas. Considerando o início do relacionamento, ver aquele fim acaba sendo triste.
Courtney Love faz de Althea uma personagem extremamente vulgar e apaixonada. Sua presença é marcante, não só pelo jeito da personagem, mas principalmente pelas roupas que usa. Nesse sentido, o design de produção tem uma função fundamental no arco de Althea. Seu figurino e cabelo são altamente estilizados – coloridos e vulgares. Após o uso excessivo de drogas e o diagnóstico positivo para Aids, vemos seu brilho murchar, através da falta de cores.
Althea não acredita na monogamia, mas é completamente apaixonada por Flynt. Em determinada cena, o designer de som utiliza o barulho da turbina de um avião para realçar o ciúme corrosivo que ela sente.
Courtney Love também merece destaque pela transformação física. No fim da vida, Althea mal consegue andar.
Edward Norton interpreta o personagem que tenta manter a sanidade dentro dos tribunais.
Alan é um jovem advogado, repleto de talento, mas constantemente sabotado pelo comportamento de Flynt, que chega a tacar laranjas no juiz. O filme se passa mais ou menos em um período de cinco anos e o mais bonito na caracterização de Norton, é a familiaridade que ele passa a ter com as atitudes do protagonista. A princípio, Alan estranha e mal entende o que Flynt fala, porém, aos poucos passa a demonstrar entendimento e carinho por ele. Apesar das diferenças notáveis, os dois acabam virando amigos e nos proporcionam momentos hilários. O roteiro ainda é generoso com Alan. Os dois monólogos mais importantes são dele. Ambos tratam a questão chave do filme com muita seriedade e bom humor.
Sobre o design de produção, vale também exaltar o cuidado na caracterização de Flynt. Suas roupas são obviamente chamativas, mas reparem nas cores das paredes de seu escritório e na quantidade de objetos dourados em sua mesa. Ele gosta de se expor, de mostrar seu poder e no processo acaba se autossabotando.
A montagem tem um papel fundamental na construção psicológica do protagonista. Em determinada cena, ele diz que precisa ir para uma cidade que aceite pervertidos, logo em seguida há um corte e vemos tomadas aéreas de Los Angeles. Já no final, Flynt diz ter apenas um arrependimento na vida e mais uma vez o corte nos indica o seu pensamento.
Milos Forman, como sempre, conduz sua obra sem grandes estripulias. Há alguns planos reveladores, mas a principal qualidade do tcheco sempre foi a direção de atores. Seus elencos são memoráveis e algumas atuações em especial entraram para a história.
Os Estados Unidos são considerados o país mais poderoso do mundo, não pela riqueza ou população, mas porque é o mais livre.
Forman questiona isso nesse grande filme.
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