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“The Killing Of A Chinese Bookie” tem como protagonista um homem confiante e vulnerável. Ele é o dono de um clube noturno e caminha pelo ambiente com muita propriedade; em contrapartida, ao vagar pelas ruas e ir a um bar esbanja incerteza e fragilidade.

Cosmo Vittelli é um sujeito tranquilo que detesta seu passado. Ele esteve na Guerra da Coréia e matou algumas pessoas, mas não é violento, pelo contrário, quer apenas ser feliz.

O clube é a sua casa, a razão de sua existência. Cosmo não tem amigos, não conhece boas pessoas e trata seus funcionários como familiares. As dançarinas são os amores de sua vida, logo, quando tenta preencher seu enorme vazio na jogatina, as leva para o casino – aparecer sozinho entregaria sua verdadeira situação. Empolgado e incapaz de admitir a derrota, o protagonista contrai uma dívida de vinte e três mil dólares.

Os mafiosos não brincam em serviço, marcam seus alvos com contratos e não aliviam por um segundo sequer. Na mesa, todos estão de preto, menos Cosmo, que usa uma camisa branca – um estranho no ninho. Ele se veste como um homem do show business, um homem respeitado e admirado em seu meio, um homem que evita roupas ordinárias a fim de encobrir suas inseguranças. A solidão é real, ainda assim, é mais reconfortante que o perigo iminente.

A direção de arte foge do luxo noturno ao qual estamos habituados. O clube do protagonista é simples, aconchegante e decadente. O palco não é vibrante e os fundos poderiam ser de um boteco de esquina. Os espetáculos são bizarros, não sensuais, e o “mestre de cerimônia”, Mr. Sophistication, além de ser zero sofisticado, é uma figura patética.

Não importa, aos olhos de Cosmo, de seus clientes e da maioria das pessoas, aquele é um lugar fascinante, não à toa, o protagonista é constantemente exaltado e cumprimentado. Ele se sente bem ali, é o seu orgulho, algo que extrapola uma renda fixa.

As luzes vermelhas salientam a natureza do clube e o amor que Cosmo sente pelo estabelecimento. A violência passa longe, todavia, o protagonista se meteu com quem não deveria, conferindo uma terceira conotação ao vermelho. Por outro lado, os feixes azuis reforçam uma melancolia omitida. Ele não pode quitar a dívida, então o chefão propõe um acordo: nosso amigo precisaria matar um chinês poderoso, responsável por praticamente toda a Costa Oeste.

Cosmo aceita o acordo, no entanto, ao realizar mais a ideia, desiste, afirmando que prefere manter a dívida. Essa é a história de alguém que domina o seu espaço, que criou uma zona de conforto onde ele pode ser feliz sem se preocupar com dilemas internos; um universo fantasioso e real, um esconderijo palpável e rentável. Para os mafiosos, Cosmo é apenas “mais um”. O protagonista não tem saída, para retornar ao paraíso terá que matar o bookmaker chinês, será obrigado a enfrentar os fantasmas que assolam sua alma.

Invariavelmente, John Cassavetes concentra os gângsteres ao redor de Cosmo, reforçando sua falta de opção e instaurando uma gradual claustrofobia, na medida em que os planos se tornam mais fechados, praticamente invadindo o rosto dos personagens, mergulhados na sombra. A sequência do carro é de uma opressão impressionante, não apenas pelo tamanho do veículo, mas pela posição central de Cosmo.

Dali, ele sai correndo desorientado, e Cassavetes, como de costume, utiliza a câmera na mão para gerar instabilidade e conferir a crueza necessária ao filme. Esse recurso percorre a narrativa inteira e está associado ao realismo estabelecido pelo cineasta, trabalhado também de maneira impecável pela fotografia, que opta, quase sempre, pela absoluta escuridão – a vida noturna real, sem glamour. Ruas vazias e pouco convidativas fazem parte do percurso de Cosmo, que conclui a missão numa cena que somente John Cassavetes poderia dirigir.

Normalmente, sequências de tiroteio são tensas e estimulantes; dito isso, o pai do cinema independente americano sabe que seu protagonista não sente prazer ou empolgação ao matar alguém, optando pelo silêncio e por uma ação propositalmente pacata. É como uma meditação: Cosmo sabe o que deve fazer e o chinês aceita seu destino – as coisas só demoram um pouco a acontecer.

Aquilo era, na verdade, uma emboscada: os mafiosos tinham certeza de que Cosmo morreria, o que não acontece, deixando esse esforço para os próprios criminosos, que arrumaram problemas com os chineses. A movimentação suave de câmera realça o lado perdido dentro do protagonista, que não se sente mais ameaçado pelos mafiosos. Mort avisa exatamente o que está prestes a acontecer, entretanto, o contra-plongée e a fumaça que “sai da cabeça” de Cosmo o colocam numa posição de imponência e controle. A garagem é escura, os disparos são rápidos e não há confronto. Cassavetes está interessado em expor o medo da morte, a covardia dos mais fortes e a banalidade em torno da violência.

Em meio ao caos, Cosmo faz várias ligações para fiscalizar o andamento do clube e, quando descobre que um número de dança não foi bem executado, é que realmente fica nervoso. As ruas são imperfeitas e perigosas, seu estabelecimento não. O protagonista quer proporcionar aos seus clientes uma viagem para o destino mais distante possível, a fuga do cotidiano.

Ele retorna ao clube e faz um belo discurso para os funcionários, ratificando sua solidão e paixão pela família que construiu. O show deve continuar, todos devem estar felizes e satisfeitos.

Os filmes de Cassavetes começam e terminam “do nada”, são como a vida. Não sabemos o que acontecerá com Cosmo, ele não termina são e salvo e é essa incerteza que torna sua obra tão especial e humana.

Os diálogos são orgânicos, os personagens não dizem nada de forma automática, pensam e reagem honestamente.

Algumas escolhas de enquadramento são peculiares, justamente por não focarem no cerne da ação, mas em seres periféricos, que, no fim das contas, acentuam a sensação de perigo. A imagem granulada dá uma textura única e ideal para a atmosfera crua e visceral idealizada pelo cineasta.

A montagem emula a personalidade ambígua do protagonista através de transições inesperadas e cortes abruptos. Dessa forma, a narrativa ganha vigor, fluidez e identidade.

Ben Gazzara, parceiro habitual e amigo de Cassavetes, oferece uma interpretação complexa e minimalista, ressaltando contradições a partir de pequenas mudanças na expressão facial. Sua performance é introvertida e o fato de nos conectarmos tanto com Cosmo comprova o êxito de Gazzara.

“The Killing Of A Chinese Bookie” é uma grande obra dentro de uma filmografia inigualável.

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