Baseado em fatos reais, “The Falcon and the Snowman” narra a história de dois amigos que traíram sua pátria. Até que ponto vale a pena seguir seus ideais?
Christopher Boyce é um jovem de família rica. Enquanto pensa em voltar para a faculdade de direito, seu pai, um ex-agente especial do FBI, lhe consegue um emprego num importante centro de comunicação americano. Sua função é receber e transmitir correspondências secretas do Estado, protegidas por códigos de criptografia, sobre as atividades dos satélites. A sala preza pela discrição e os planos-detalhe evidenciam o sigilo do trabalho. O clima descontraído dos outros dois colegas quebra o nervosismo de Christopher, que se depara com um plano da CIA para derrubar o Primeiro-Ministro da Austrália, cujas políticas não se alinhavam com os princípios e interesses norte-americanos. A questão não é ideológica; o protagonista simplesmente não suporta assistir a manipulação da imprensa, da economia e dos partidos políticos. Como ele diz no fim: “O que antes era uma agência de inteligência, agora age contra governos mais fracos”.
Christopher decide, então, vender tais informações para os soviéticos, agindo como um espião. Por mais inteligente que o protagonista seja, não podemos ignorar sua idade. Jovens são impulsivos, não pensam tanto nas consequências de seus atos. Sinceramente, não presumo que ele agiria assim caso fosse mais experiente, o que não é uma crítica. Christopher é quem obtém as informações, todavia, quem as leva para os agentes da KGB, no México, é Daulton Lee, seu amigo de infância. As consideráveis diferenças entre os dois fazem desta uma relação fascinante de se assistir e que, em nenhum momento, soa falsa ou forçada. Embora também seja oriundo de uma família rica, Lee aderiu ao tráfico de drogas e aceita a perigosa missão por motivos estritamente financeiros.
As entregas são realizadas com enorme destreza. Os personagens habitam ambientes escuros, que conversam com o anonimato que desejam manter e com o risco constante que correm. Schlesinger distancia o protagonista dos colegas ou o coloca em primeiro plano, ressaltando seu extremo cuidado para não ser pego. O cineasta se utiliza da Guerra Fria na composição da narrativa, optando pela sugestão e pela tensão silenciosa, não pela ação. Quando a sala secreta é inspecionada, os close ups e a trilha sonora atmosférica dão conta da fomentação de um clima angustiante. Dito isso, o roteiro não está interessado em comentários políticos, mas na caracterização dos amigos.
Christopher é um rapaz educado e dedicado; o tipo de profissional que qualquer empresa gostaria de ter. Lee, por sua vez, é dono de um forte temperamento e tende à rebeldia. Ele conhece os caminhos da ilegalidade e executa as entregas iniciais sem muitos problemas, contudo, aos poucos, demonstra ser uma figura pouco confiável. Lee é um traficante viciado e, na medida em que a ganância aumenta e os negócios deixam de fluir, sua inconsequência vem à tona. O protagonista, ao perceber que a espionagem perdeu o sentido, decide parar com as negociações, todavia, Lee, no auge de sua inquietude, o chantageia, obrigando-o a seguir num jogo no qual a derrota é garantida. Seria injusto eximir Christopher de culpa, afinal, a ideia foi sua e colocar Lee no olho do furacão é como observar um rato cego tentando escapar de um labirinto.
No México, quando o protagonista decide agir nas duas frentes, uma parede separa os dois, como se uma rachadura tivesse se espalhado pela amizade. Christopher acredita que conseguirá encerrar a parceria com o líder da KGB e Schlesinger, com a sutileza que lhe é peculiar, salienta que os problemas estão só começando. A câmera é movimentada até que o protagonista saia do quadro, ocupado, agora, pela nuca do soviético. Cada vez mais enlouquecido, Lee apresenta uma vulnerabilidade tocante – ele é mais complexo do que aparenta; tem noção de sua autodestruição, porém não tem ferramentas para evitar o inevitável. Christopher se afasta das pessoas que ama e se torna agressivo. A exaustão corroeu sua alma a ponto de, no fim, vermos somente a carcaça de um jovem envelhecido.
O falcão, seu animal favorito, serve como simbolismo para a liberdade que Lee nunca mais sentiu e que Christopher só reencontrou em 2002. A última caminhada é lenta e congelante. A tragédia está nos olhares dos pais, na constatação de aqueles garotos, de certa forma, se foram e na inserção de flashbacks.
Timothy Hutton oferece uma performance soberba, calcada na contenção de emoções. Ele é o cérebro, responsável pelo equilíbrio na dupla e passa por situações que demandam um nível específico de sofisticação. Hutton atravessa esse arco brilhantemente – da pureza ao fundo do poço. Sean Penn, com um dos bigodes mais lamentáveis já vistos em tela, é o complemento perfeito. O ator cria trejeitos e uma entonação vocal que despertam insegurança e fragilidade. A neurose é gradual; o Lee do início não é o mesmo que fica sob os holofotes. Não poderia deixar de enaltecer David Bowie e a banda Pat Metheny Group, que compuseram a extraordinária canção “This is Not America”.
Pois bem, repito a pergunta situada no primeiro parágrafo: até que ponto vale a pena seguir seus ideais?
“The Falcon and the Snowman” é uma joia que não tem o devido reconhecimento.