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“The Day Of The Locust” é um filme sobre seres que venderam suas almas e perderam suas identidades. A fotografia ensolarada, a roupa radiante de Faye, o ânimo de Tod e a canção romântica denotam uma pureza da qual temos que nos desacostumar rapidamente. O início é uma ironia, um curto pedaço da existência daqueles personagens em que se divertiam com um simples sorriso.

Faye é a eterna figurante. Sua vida se resume a tentativas e frustrações. A antiga Hollywood exigia um certo comportamento e obrigava as pessoas a irem ao fundo do poço para uma singela ponta. Seus trejeitos e a inclinação vocal são sintomas de uma jovem desesperada por atenção, perdida numa selva degenerada. Seu cabelo loiro é um estereótipo da época.

Ela se orgulha de participar de um filme no qual pouco aparece e tem apenas uma fala. “Prefiro champanhe” – será mesmo? Duvido que já tenha bebido. Quando Tod se declara, a figurante sepulta qualquer chance de ser genuinamente feliz: “somente um homem rico poderia me amar”.

Faye tem uma checklist, não segue, nem por um instante, seu coração – se é que uma pedra já não preenche seu peito.

Tod é um assistente do diretor de arte. A montagem e o design de som esmiúçam o seu trabalho, cujo talento para desenhar advém da capacidade de imaginar cenários vivos. Hollywood não destrói apenas os que tentam, mas também os que conseguem e convivem com as figuras mais asquerosas possíveis. A bebida é um símbolo de sua derrocada, da perda de controle. Os poderosos influenciam determinados comportamentos, não aceitam “não” como resposta. Em uma cena brilhantemente estruturada, que atinge sua tensão máxima a partir da sincronia entre a trilha sonora e as batidas no chão, de cortes constantes e de intensos close ups, Tod tenta estuprar Faye, que se chateia por um instante, mas logo perdoa o amigo.

Acompanhamos a desoladora trajetória dos dois, afetados pela mesma doença, em pontos diferentes. A prostituição não é algo a ser questionado, a figurante passava por necessidades e abriu os olhos para a realidade. O que deve ser julgado são os seus modos deploráveis. A rinha de galo é brutal e longa, feia como Hollywood.

Em determinado momento, o cenário de uma produção desaba, deixando vários funcionários em estado grave. Se os avisos de emergência tivessem sido colocados, nada teria acontecido. Eles não ligam para os feridos, pensam em formas de esconder a negligência e Tod, a princípio, abalado, compactua com tudo, faz parte do meio.

Em meio a perda do pai e o habitual vazio, Faye conhece Homer, um contador honesto e tímido. Os recorrentes planos-detalhe de suas mãos ganham diferentes conotações, indo do nervosismo à insanidade.

Todas as suas ações visam a felicidade e o bem-estar da amada, que se vê abraçada e segura. A dança no escuro é bonita e ambígua, representa coisas distintas para cada um. Homer é bondoso, busca a alegria cotidiana e, com toda a sua introspecção, se emociona com a intimidade do contato; em contrapartida, Faye é uma incógnita – seu choro é um misto de alívio e tristeza. Ela faz o que bem entende e deixa Homer afoito com suas mudanças bruscas de comportamento.

No terço final, a impressão é de que estamos diante de caricaturas, restos humanos. Tod perde o controle de si e Faye incorpora de vez o fantoche de seu sonho hollywoodiano. Poucas vezes assistindo um filme, passei a sentir tanta raiva e nojo de dois personagens. Homer, o contraponto à balbúrdia, é destruído pela amada, que o trai abertamente e o humilha sem pudor. Faye o usou a fim de garantir o que julgava ser essencial. O roteiro explora o efeito que Hollywood tem também sobre terceiros.

“Eu me esforço, mas nada do que faço a deixa feliz”. “As pessoas precisam de amor, mas ninguém entende isso”. “Quando ela sorria, me sentia bem”.

São palavras de um homem empático e apaixonado, sem forças para se impor. Ele simplesmente perde o brilho que retinha no olhar, se torna uma figura descrente, desolada e psicologicamente abalada. O plano em que o vemos de costas, na completa escuridão, conversa com sua natureza tímida e a dor imensurável. Homer adentrou um poço de pensamentos ruins, um lugar sombrio que evitamos visitar.

O clímax é icônico, audacioso e faz jus ao abatedouro humano chamado Hollywood. O show de luzes e o letreiro brilhoso atraem a multidão, que se amontoa como gafanhotos numa lâmpada. No mesmo espaço, há uma estreia glamorosa e um assassinato. Os espelhos são narrativamente relevantes, salientando a importância das aparências. Tudo é maquiado e aqui não poderia ser diferente. A barbárie é suavizada pelo locutor, que usa os gritos de desespero para potencializar a fama do filme exibido.

Os flashes de luz queimam, parecem disparos de armas. A imagem finalmente desaba, Hollywood mostra sua real face e a catarse é definitiva – os insetos são esmagados. Sinceramente, não lembro de outra sequência tão brutal e grandiosa. A câmera na mão e o quadro fechado fomentam a sensação de horror e claustrofobia, e imagino que tenha sido um verdadeiro desafio para John Schlesinger filmar esse caos.

A parede quebrada talvez seja o principal símbolo da obra. Tod não a consertou, só a preencheu de imagens, escondendo a verdade.

A direção de arte acerta em detalhes assim e é igualmente brilhante na reconstituição de época. Os estúdios monumentais, os cinemas com cortinas vermelhas, os condomínios de casa, a arquitetura dos anos trinta… a autenticidade é impressionante.

A fotografia, inicialmente, engana o espectador com o otimismo ensolarado, porém pontua a todo instante um clima de incerteza e podridão, a partir da escuridão e das sombras que marcam rostos.

A montagem é elegante ao compreender o tipo de transição que cada cena precisa. Quando o pai da figurante morre, a câmera foca nele e há um longo fade. Em outra situação envolvendo o mesmo personagem, o “efeito de cortina” acompanha o ritmo da trilha sonora.

O elenco está incrível e Donald Sutherland é o principal destaque. Ele faz de Homer um sujeito tenso, solitário, carinhoso, introspectivo e triste sem transformá-lo numa caricatura. Sua peculiaridade é crível e relacionável. Sutherland vai além, caminha para uma insanidade de partir o coração.

“The Day Of The Locust” é uma obra prima de proporções trágicas.

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