“The Darjeeling Limited” é um filme sobre adultos confusos e irmãos que não se reconhecem. Eles vão para a Índia e não parecem certos disso. Nada faz muito sentido na vida dos três protagonistas.
Peter está prestes a se tornar pai, diz amar sua esposa, mas demonstra incerteza e desânimo. Ele se baseia no exemplo mais próximo – os pais – e coloca um limite para si. O casamento vai bem, porém um filho talvez represente um passo maior que a perna.
Francis é solitário, não tem amigos nem esposa e a família parece cada vez mais distante. Sua cara está machucada, ele diz que foi um acidente, mas é bem provável que tenha sido uma tentativa de suicídio. O personagem organiza a viagem de forma meticulosa, pois não quer que nada dê errado e sente uma necessidade preocupante de reafirmar seus sentimentos a todo instante.
Jack gosta de ser usado. Sua namorada brinca com o seu coração, sua feição é distante e um pouco blasé. Ele coloca músicas melancólicas e admite sua descartabilidade. Ele nutre essa persona, encontra mulheres, diz coisas bonitas, se envolve e se diminui.
O vagão é um espaço pequeno e não poderia ter sido mais bem pensado por Wes Anderson, que, através de movimentos de câmera bastante peculiares, o deixa ainda menor. Não há para onde ir, os três estão juntos, precisam conversar e acabam expondo a sua total desconexão. Eles não se reconhecem – logo, não existe confiança- e, tirando o fato de serem irmãos, nem se gostam. O roteiro assinado por Wes Anderson, Jason Schwartzman e Roman Coppola acerta precisamente nas interações entre os personagens, que, mesmo distantes, claramente são irmãos, que brigam, discutem, sentem inveja e se implicam. O contraste entre a espontaneidade deles com a padronização de certas atitudes acaba rendendo bons momentos de humor.
A jornada é sobre autoconhecimento, entender onde suas vidas estão e, quem sabe, conduzi-las para um lugar melhor. Francis os leva para ambientes considerados espirituais e acredita que determinadas preces podem fazer a diferença. A verdade é que, tirando uma cobra venenosa, a única coisa que os irmãos conseguem é se meter em furadas. No entanto, a mudança nas cores é fundamental para expor a transformação na viagem deles. Se o trem era tomado por paredes azuis – frieza -, a Índia é amarelada e, em cada rua há um pouco de calor humano.
Eles passam por situações extremas, são expulsos do trem, se agridem, se entendem e caminham na direção correta. A indiferença é deixada de lado, os protagonistas agem cada vez mais como irmãos, passeando entre extremos e, principalmente, demonstrando interesse recíproco. Além dos dilemas, os três ainda enfrentam a dor pela perda do pai, que, claramente, era a figura principal em suas vidas. Os utensílios guardados por eles são uma demonstração de carinho, entretanto, também expõem uma tremenda dificuldade em olhar para frente e se guiar sem o maior mentor. A jornada proporciona interações honestas, remexe o passado e os leva para o último ponto de segurança: a mãe – monja nas montanhas da Índia. Patricia não foi ao enterro do marido e nunca explicou o motivo. Pensando que a levarão de volta para casa e que obterão respostas óbvias, os filhos se surpreendem. Ela tinha encontrado algo que os três ainda estavam longe de atingir: um sentido. Aquela vida pacata e harmoniosa lhe trouxe paz e alegria. Patricia não esqueceu seu grande amor, mas teve que se desprender de certas amarras para seguir em frente e ver a vida por uma outra ótica. Juntos, ali em cima, os três percebem que a mãe estava no lugar correto. A ajuda que precisavam estava no vagão do início. Anderson ratifica que o carinho entre irmãos é diferente, é mais próximo, humano, desafiador e recompensador. E, assim como a mãe, eles abandonam suas malas, como uma forma de olhar para frente e vislumbrar tempos mais agradáveis.
A jornada nos presenteia com uma série de momentos belos e significativos. O convívio dos protagonistas com a tribo local os oferece uma nova visão sobre afeto e respeito. Nada seria mais impactante para Francis do que o gesto de Jack e Peter de entregar seus passaportes para ele – confiança.
O trio de atores formado por Adrien Brody, Owen Wilson e Jason Schwartzman apresenta uma química notável, o que é fundamental para o efeito e o tom do filme, que varia entre o humor e a “tragédia”. Assim como os personagens, não diria que nenhum deles se destaca, um complementa o outro.
O trabalho da direção de arte é encantador. O azul do primeiro vagão é subvertido pelo último, que é marcado por cores quentes que enaltecem a nova fase dos personagens. A quantidade excessiva de remédios expõe a dor e a angústia. A mala é um símbolo fundamental para o arco dos irmãos, assim como as ataduras de Francis, que representam as feridas do passado.
A fotografia aposta, majoritariamente, em tons saturados de amarelo para caracterizar a Índia e, na minha opinião, além de ter uma função narrativa importante, é também um retrato honesto do país. Eles passam por lugares áridos, luxuosos e miseráveis, que no fundo, pouco importam, já que a grande marca do país é a sua cultura e o seu povo, afetuoso e amigável.
Os figurinos padronizados chamam atenção, principalmente pelos diferentes tons de cinza que cada um utiliza. Ou seja, todos estão profundamente afetados, porém por dores distintas.
A montagem é discreta considerando o restante da filmografia do diretor, no entanto, a inserção de um flashback específico é precisa e conversa diretamente com o presente.
A direção de Wes Anderson é simplesmente sublime. Sua capacidade em surpreender o espectador e transformar situações simples em extraordinárias é impressionante. Seus travellings laterais revelam as dores não só dos protagonistas, mas dos demais viajantes, com destaque para Rita. Os planos longos são os principais responsáveis pelo humor no filme; os planos-detalhe seguem sendo uma marca registrada em sua carreira; assim como os repentinos zooms e os planos abertos, que, além de serem um contraponto a claustrofobia do vagão, servem de homenagem às belas paisagens indianas. A presença dos três irmãos – juntos – em cada quadro é marcante, salientando que aquela é uma jornada sobre união.
A trilha sonora remete a sons locais, o que é ótimo e, mais uma vez, Anderson demonstra um excelente gosto musical.
“The Darjeeling Limited” é um dos filmes mais subvalorizados da carreira de um dos diretores mais especiais do cinema norte americano.
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