The Beatles: Eight Days A Week – The Touring Years

Os Beatles foram e sempre serão a melhor, mais influente e importante banda da história. Não há muito a se dizer sobre esses quatro rapazes que já não tenha sido dito. Esse documentário, dirigido por Ron Howard, não é tão revelador, mas é impecavelmente montado e delicioso de se assistir. O diretor foca no período em que os Beatles saíram em turnês pelo mundo e como elas passaram a ter conotações diferentes ao longo dos anos.

John Lennon, Paul McCartney, George Harrison e Ringo Starr faziam um certo sucesso em pequenos clubes de Liverpool. Com a ajuda de seu empresário, Brian Epstein, eles chegaram a outros lugares na Europa e, finalmente aos Estados Unidos. É engraçado ver a precariedade dos hotéis em que os quatro ficavam no início, considerando que pouco tempo depois estariam fechando andares no Plaza, em Nova Iorque. Epstein, que é constantemente tido como o quinto Beatle, é caracterizado pela banda como um homem elegante e educado, que foi fundamental para sacramentar uma imagem bastante específica e levá-los aos grandes palcos. Eles usavam jaquetas de couro, não sabiam posicionar os microfones, nem os instrumentos no palco e Epstein surgiu para “customizá-los”. Os cortes de cabelo e os ternos – marcas expressivas – foram invenções do empresário.

Spoiler Alert!

Músicas como “I Wanna Hold Your Hand”, “She Loves You” e “From Me To You” alcançaram o topo das paradas britânicas. O próximo passo era óbvio: Estados Unidos. Pode agora parecer um detalhe insignificante, mas os Beatles morriam de medo dessa turnê, pois acreditavam que seria o termômetro para o restante de suas carreiras. Não é o que as expressões faciais de John, Paul, George e Ringo denotam, já que os quatro eram símbolos de uma juventude irreverente e destemida. Eram jovens brincalhões que não levavam absolutamente nada a sério, sempre encontrando uma brecha para fazer piadas. A impressão que fica é que qualquer gesto ou frase dita pelos quatro seria motivo de gritaria, nada os impediria de alcançar o inevitável. A beatlemania é muito bem retratada em shows e imagens de arquivo brilhantemente inseridas na montagem. A split screen também é fundamental para enfatizar o efeito dos músicos perante as garotas. Até mesmo os cílios de George Harrison eram considerados sensuais.

Jovens e ingênuos, os quatro não escondem a satisfação pelo sucesso estrondoso e admitem a felicidade pela quantidade de fãs. Eles eram como irmãos, não só pelas decisões da banda, mas, principalmente, pelo cuidado e carinho mútuo que nutriam. Somente John, Paul, George e Ringo sabiam o que era ser um Beatle e toda a pressão que acompanhava esse nome. Tudo era dito e exposto, as insatisfações não ficavam guardadas e, dessa forma, puderam superar crises, medos e adentrar novas fases. John e Paul dominaram os primeiros álbuns com composições que os colocaram no topo. É interessante notar que George Harrison, pelo menos no início, se inferiorizava e não tinha tantas oportunidades de mostrar seu talento. Ele acabou se tornando um compositor tão brilhante quanto os outros dois e talvez seja o que tenha a carreira solo mais interessante. Os Beatles dominaram tudo em uma época em que não existia internet. As pessoas se amontoavam, choravam em frente à TV, desmaiavam nos shows em que o som era praticamente inaudível e corriam desesperadamente atrás de abraços.

O filme “A Hard Days Night” foi o ápice da beatlemania e, segundo os próprios, foi um prazer inestimável realizá-lo. Em contrapartida, “Help”, no qual os integrantes demonstravam sinais de cansaço, representou o fim da inocência. Inclusive, a canção título foi um sincero pedido de socorro de John Lennon ao perceber o estágio em que a banda estava. Pensando bem, os Beatles não aproveitaram sua juventude. Eles chegaram ao ápice de forma avassaladora, se viram presos a uma fama indesejada e a um processo pragmático de criação. Os quatro rapazes conquistaram o mundo como se fosse um brinquedo e, como músicos ambiciosos que eram, tiveram que amadurecer. A marca havia superado a música e algo precisava ser feito. Não parece que eles tinham menos de trinta anos no icônico show no topo do prédio. As coisas aconteceram, talvez não da forma que aqueles quatro garotos destemidos esperavam, mas aconteceram. Eles se casaram, tiveram filhos e, de repente, perceberam que poderiam se desgrudar.

“Rubber Soul” foi o primeiro passo em direção à maturidade, os relatos de músicos e produtores famosos deixam nítido esse fato. As letras passaram a ser mais complexas e densas, entretanto, foi com “Revolver”, álbum de 1966, que os “homens de Liverpool” estabeleceram uma nova fase. O estúdio era um parque de diversão, onde experimentos eram permitidos pelos produtores e petardos criativos eram liberados diariamente. A relação com a imprensa ficou cada vez mais ríspida e a beatlemania deixou de ser um símbolo de uma juventude apaixonada e irreverente para ser a representação de exageros e tudo que os quatro não queriam. A banda se envolveu em várias confusões, chegou a ser taxada de esnobe e foi publicamente linchada após a mal interpretada e icônica entrevista de John Lennon, na qual disse que os Beatles eram maiores que Jesus Cristo. Pessoas se machucavam e os próprios integrantes passaram a correr riscos, o que resultou no fim das turnês. A decisão os levou novamente aos estúdios com o intuito de dar uma repaginada. Até mesmo o nome esteve em pauta. Nesse processo, eles lançaram “Sgt Peppers Lonely Hearts Club Band”, possivelmente o álbum mais importante da história da música. A sequência que percorre a trajetória dos Beatles, regida por “A Day In The Life” é belíssima e sintetiza tudo que acabamos de assistir: épico e apoteótico.

Acho interessante ressaltar o envolvimento da banda com questões civis como a segregação racial em algumas regiões nos Estados Unidos. Não era um tema simples na época e o fato de se posicionarem salienta a grandeza deles como seres humanos.

As imagens de arquivo selecionadas são um verdadeiro presente para os fãs da banda. Além de performances com som e imagens restauradas, temos acesso a momentos íntimos entre os quatro e a entrevistas icônicas. A montagem, responsável pela fluidez do documentário, intercala brilhantemente as gravações, com relatos bonitos de personalidades como Elvis Costello e Whoopi Goldberg.