Diferentemente dos outros musicais analisados essa semana, “The Band Wagon” foi fotografado em Technicolor, marca registrada do diretor Vincente Minnelli. A trama do filme é ambiciosa, fala sobre diferentes épocas, mostra o funcionamento de grandes produções teatrais, expõe a guerra de egos entre os artistas e prova que o palco é um mundo próprio, cujo principal intuito é oferecer bom entretenimento.
Tony Hunter já foi um grande ator hollywoodiano, especialista em musicais leves e agradáveis. Seu tempo passou e sua decadência é nitidamente revelada, seja pela forma como os jornalistas o tratam, seja pela cor de seu paletó, seja pela sua autodepreciação.
Ele chega a Nova Iorque, onde é recebido por Lester e Lily Marton, um casal amigo que preparou um roteiro voltado ao seu estilo de espetáculo. Para dirigi-lo, os dois contratam Jeffrey Cordova, um diretor ambicioso e um tanto pretensioso, que foca em peças filosóficas e complexas. Ele é o contraponto perfeito a Tony: despreza risadas fáceis, histórias simples e está em plena ascensão.
O texto de Lester e Lily é leve e intenso, mas é um ponto específico que leva Cordova a adorá-lo e querer transformá-lo numa releitura de “Faust”.
Minnelli trata a decadência de Tony de forma sutil, desde a sua expressão cabisbaixa até a dificuldade de se encontrar na Nova Iorque moderna.
O protagonista tenta manter o otimismo, porém o seu ânimo não é mais o mesmo e ele se sente ultrapassado.
Para contracenar com Tony, o diretor contrata Gabrielle Gerard, uma jovem bailarina que também serve de contraponto a atual situação de Tony. A princípio, os dois não se dão bem. Ela percebe que o protagonista não a quer por perto e sente o peso de seu nome, escondendo sua insegurança chamando-o de velho; enquanto ele, claramente enxerga nela uma ameaça, o tipo de artista que veio para substituí-lo.
Minnelli caracteriza o diretor como um ser que se considera superior, que preza por exageros e que sente a necessidade de passar à frente dos roteiristas. Cordova tem talento, comanda seus atores com precisão, mas não faz ideia nem do material, nem do elenco que tem em mãos e acaba exigindo de um simples dançarino, uma performance digna de Marlon Brando. Ele foca tanto na grandiosidade da obra, nos cenários e nas explosões, que esquece do resto, transformando a peça em um catado de coreografias mal executadas, por uma dupla principal cuja química é inexistente.
“The Band Wagon” é um filme carregado por egos e uma carga pesada, envolvendo melancolia e decadência. As coisas mudam quando Gabby e Tony decidem se entender e vão de charrete ao Central Park, onde dançam com afeto e delicadeza. Eles não dizem nada, apenas sabem que a partir dali tudo será diferente e que épocas e experiências distintas não devem representar uma competição, e sim, ao contrário, uma união em prol de uma nova arte, mais abrangente.
A loucura dos ensaios e a péssima produção resultam num fracasso total, que é exposto através dos rostos das pessoas indo embora do teatro. O foco no cartaz que diz “o maior espetáculo de todos os tempos” é marcante, um fardo que ninguém precisa carregar.
O salão da festa está vazio e Tony se depara com uma pequena sala, onde toda a equipe se reúne e confraterniza. Essa talvez seja a cena mais doce e representativa sobre o que as pessoas levam dos espetáculos. Forma-se uma família e o protagonista se dá conta que durante esse tempo todo, estava excessivamente preocupado. Percebam como a dimensão da sala conversa com o carinho que a equipe nutre e como a felicidade está muito mais ligada à simplicidade do que ao luxo.
Cordova admite os erros e deixa o restante do espetáculo nas mãos de Tony, que utiliza o roteiro original. Se a plateia indo embora representava o fracasso, Minnelli e o belo trabalho de montagem optam por curtas encenações, que indicam que o novo show estava indo muito bem e que respeitava o princípio básico dos palcos: um bom entretenimento.
De qualquer forma, Tony sabe que sua decadência não decorreu somente do esquecimento da indústria, mas, principalmente, por sua dificuldade de sair de uma zona de conforto – artística e social.
A arte muda com o tempo e, ainda que o seu talento seja exuberante, o artista precisa se adaptar. Tony dança e canta como antigamente e volta sorrir, contudo, é o último espetáculo, em Nova Iorque, que realmente renova as suas energias. Os cenários são ambiciosos – destaque para a longa escada vermelha e o bar esfumaçado – e as cores são fortes, criando uma atmosfera Noir e mística, dando espaço para Tony interpretar um detetive que precisa encontrar um assassino. As coreografias nessa sequência são especialmente sofisticadas, conseguindo misturar gêneros com muita originalidade.
Com o seu orgulho restaurado, faltava apenas Tony admitir que sempre evitou o amor, talvez por medo, talvez por ser excessivamente romântico.
Gabby era jovem e o romance entre os dois funciona tanto na esfera convencional, quanto na simbólica. A boa e tradicional arte não é descartável e o seu encontro com o novo, formando uma interseção, é o que faz o mundo seguir em frente.
Mesmo dando uma vivacidade notável ao filme, a fotografia explora bem o estado psicológico de Tony, não à toa, a maioria das cenas se passam à noite, na escuridão. A iluminação na dança no Central Park é expressiva e remete aos clássicos de Astaire, dando ênfase não só para os movimentos, mas às emoções dos personagens, que, pela primeira vez, estavam felizes juntos. A Manhattan azulada é belíssima.
O design de produção de The Band Wagon merece elogios por apresentar uma Nova Iorque brilhante e viva, porém, de alguma forma, decadente. Os letreiros e as fachadas são coloridos, mas não estão conservados e conversam com o protagonista. A casa de Cordova é repleta de objetos dourados e paredes vermelhas, que ressaltam o seu narcisismo e a sua necessidade de chamar a atenção. Minnelli atrela o sucesso a falta desses caprichos, a uma simplicidade que une a equipe e esquece jogos de egos.
Os figurinos são fundamentais para a caracterização dos personagens. No início, Tony aparece com um paletó cinza, que combina com os objetos ao seu redor, expondo o seu vazio; na cena em que vê o balé de Gabby, ele é o único a usar uma rosa vermelha – mesma cor do vestido da dançaria – na sua lapela.
A cor dourada está associada a Cordova, porém também ao novo espetáculo, com mais energia e vigor.
A montagem é consistente, principalmente por dar dinamismo aos ensaios e mostrar o progresso do novo show, a partir de cortes recorrentes.
Vincente Minnelli abusa de planos longos, dando uma enorme fluidez e apreciando ao máximo as sequências de dança. Seu timing cômico é excelente e é posto em prova numa sequência na qual todos abrem a porta ao mesmo tempo e se deparam com Cordova, contando o roteiro de sua nova peça para seus amigos, exagerando nas caras e bocas.
Os planos-detalhe de cada parte do último espetáculo em um papel foi uma saída inteligente para chegar ao grande final sem ter que passar por aquilo que já tínhamos visto anteriormente.
Fred Astaire parece solitário sem Ginger Rogers e seu personagem, apesar da boa aparência, é um sujeito melancólico, que passa por uma crise existencial. Suas danças são tentativas de se animar e sair de um buraco, mas é apenas no Central Park que as coisas passam a fazer sentido. Como sempre, o ator parece flutuar na tela, com muita elegância, charme e talento. Sua dinâmica com Cyd Charisse é explosiva e sensível, o arco dos dois é interessante. Astaire convence na parte dramática e faz dessa a sua performance mais ambiciosa e, quem sabe, pessoal.
“The Band Wagon” é um filme sobre o fazer artístico, se renovar, abraçar suas virtudes e se entregar aos sentimentos. Uma homenagem aos musicais e a toda forma de arte, desde que seja um bom entretenimento.
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