Barry Champlain tem um programa noturno de sucesso na rádio no qual atende telefonemas de pessoas que vomitam qualquer besteira e são rebatidas, basicamente, com crueldade e cinismo. Ele é preconceituoso e estúpido em suas “piadas”, todavia, seu discurso tem uma base crítica cujo intuito é provocar o ouvinte. Barry não profere o ódio por prazer, mas por acreditar numa comunicação calcada na polêmica. A diferença entre mensagem e formato está aí; todos são capazes de compreendê-la? Não. O sucesso do programa é um alerta para uma geração de seres descerebrados e covardes que consomem o ódio diário como entretenimento; uma geração que, perdida no próprio vazio e mediocridade, sente conforto na humilhação alheia. A presença do vermelho no estúdio ressalta o caráter do programa e a posição de alvo em que o protagonista se coloca diariamente.
Barry não atrai o debate, mas a escória da sociedade; aqueles que, no conforto do anonimato, xingam, ameaçam, inventam histórias mirabolantes ou tentam bajulá-lo, numa triste demonstração de dependência emocional. O programa, transmitido em Dallas, fará parte da rede nacional, o que ratifica a popularização da cultura do ódio. Quando analisamos Barry fora do ar, percebemos duas coisas: aquilo não o faz bem e ele não é uma má pessoa. O teor bélico da rádio o transformou num homem solitário, incapaz de gestos amorosos e que não ama nem a si mesmo. Barry até tem um caso com Laura, sua produtora, mas a trata como sua empregada, não namorada. A relação com Ellen, sua ex-esposa, foi o seu último ato de sensibilidade, no entanto, o deslumbramento com o sucesso o afastou da vida previsível e feliz.
Em um jogo de basquete, o público o vaia como se estivesse diante de Osama Bin Laden. Por que a audiência só aumenta? O ódio é uma droga altamente viciante e o protagonista é o traficante do momento. Ele ataca grupos minoritários e expõe verdades que doem. Judeu, Barry recebe presentes de seus fãs, como, por exemplo, uma bandeira nazista e cartas ameaçadoras. Até que ponto a brincadeira é suportável? Até quando Barry manterá a máscara da irrelevância? Ele, de fato, acredita naquele formato ou está apenas em busca de índices e bônus maiores? No fim, é tudo sobre performance, não autenticidade. Barry não é um estúpido, gostaria que o casamento tivesse funcionado, mas foi consumido pela ideia de ser a voz do povo; uma espécie de guia das profundezas do abismo humano. O jovem que é convidado a participar do programa é o protótipo de um povo perdido em anúncios e imagens requentadas. O show perde a graça quando fica evidente que o ódio corroeu a alma do protagonista a ponto dele não ter mais controle sobre si. As ligações surgem e as palavras saem automaticamente de sua boca.
Se aqueles ouvintes acreditam numa divindade, ela é, muito provavelmente, Barry, que, no fundo, se sente culpado por alimentar cretinos e fomentar uma geração de imbecis irreversíveis. Os poderosos que comandam o show business são retratados com sarcasmo, como seres que habitam uma realidade paralela e que tem pouca noção de empatia. “Foi um sucesso”, diz Dan, vivido por Alec Baldwin, após o protagonista detonar o programa.
Oliver Stone é dono de um estilo frenético que confere, aqui, tensão e vitalidade a situações que poderiam ser apresentadas de uma forma desestimulante. Nas mãos de Stone, o estúdio é uma verdadeira panela de pressão; seja pela movimentação inquieta da câmera, seja pela intensidade da montagem, seja pela manutenção do quadro fechado – chegando a planos-detalhe -, seja pela opção por ângulos expressivos. Em determinado momento, o plongée salienta a vulnerabilidade do protagonista, que, por mais colegas que tenha, está sozinho nessa guerra. Igualmente interessante, é o trabalho de fotografia, que estabelece uma contradição no próprio estúdio: os fortes focos de luz o colocam na mira do tiro e a sombra reforça sua solidão. Stone realiza uma rima lindíssima a partir do uso de Split Diopter. Em um flashback, o artifício serve de prenúncio para o eventual afastamento de Barry e Ellen; no dia do programa especial, o Split Diopter aparece para realçar tal sensação novamente.
Eric Bogosian, que escreveu o roteiro, oferece uma interpretação complexa, combinando o cansaço de um homem que perdeu o controle de sua própria criação e a energia voraz para destilar sua frustração/raiva. Sinceramente, eu não sei o que aconteceu com esse Oliver Stone? Onde ele foi parar? Está de férias? Por que é incapaz de realizar outras obras deste calibre?
“Talk Radio” é um filme perturbadoramente atual e merece ser revisitado.