“Swiss Army Man” é o filme mais bizarro e original lançado na última década. Peidos nunca foram tão poéticos, significativos e metafóricos.
Hank está preso em uma ilha há bastante tempo e pensa constantemente em se suicidar. As coisas mudam quando Manny, um cadáver que exagera nos gases, aparece em seu caminho, tornando seus dias mais prazerosos e sua vida extraordinariamente relevante.
Hank é solitário, guarda em seu celular a imagem da garota que ama e no seu peito os sentimentos que nunca foram expostos. Sua baixa auto estima e fé no julgamento alheio são bastante relacionáveis. Ele informa, indiretamente, que ninguém o aguarda fora da ilha, nem mesmo seu pai.
Hank está vivo, mas sua alma é atormentada e magoada. Em contrapartida, Manny esbanja palidez, porém demonstra uma rara ingenuidade, que o coloca em uma posição de recém-nascido. Nada o impressiona e sua pureza, além de adorável, é algo que no fundo todos nós precisamos.
Vemos o mundo real com muita seriedade, como um verdadeiro campo minado e acabamos nos privando de experiências importantes.
Manny não se lembra de nada, nenhuma convenção social, nenhum sentimento, nem mesmo da música tema de “Jurassic Park”. O que temos é um relacionamento interessantíssimo, uma via de mão dupla na qual um jovem idealizador e melancólico ensina sobre cada detalhe que faz a vida valer a pena e as diferentes emoções que percorrem os nossos corações a um cadáver, que, por sua vez, mantém o protagonista vivo, o carrega para todos os cantos e renova o seu espírito. Ao mesmo tempo em que é engraçadíssimo, afinal, Manny diz absurdos sem nenhum tipo de maldade durante o aprendizado, é extremamente triste, pois vemos que Hank sabe perfeitamente o que torna nossas vidas belas e marcantes, no entanto, sempre evitou esse tipo de profundidade, guardando essa beleza em sua retina e sua mente.
A cena em que ele reinventa o ônibus no qual encontrava sua paixão é espetacular graças ao nível de detalhamento dado pelo protagonista, que reconhece cada reação física e comportamental ao vê-la, mudando apenas a aproximação, a coragem para ir até lá e conversar sobre qualquer assunto.
Por outro lado, Manny, ainda que morto, diz as coisas que Hank sempre pensou e deixou para uma outra ocasião por temer a rejeição. O cadáver é doce e acredita que esconder sentimentos é uma idiotice, deixando seu amigo sem palavras e cada vez mais atraído pela ideia de ficar na ilha.
O carinho que Manny tem por ele e os bonitos momentos que os dois vivem juntos o colocam em uma zona de conforto jamais vista. Ali, Hank tinha tudo que sempre sonhou: um amigo, uma companhia, um grande amor, um confidente, alguém capaz de elevar o seu estado de espírito.
Medo, tristeza, masturbação, amor, felicidade e gentileza são alguns dos ensinamentos dados pelo protagonista para Manny que, gradativamente, parece e age como um ser humano. Sua inocência inicial dá espaço a uma total compreensão de suas emoções e lugar dentro da sociedade, o que nos leva a um final que deixa o espectador completamente boquiaberto.
Hank, que via no mundo real um esconderijo para sentimentos reais, compreende a importância de um peido – ato libertador –, que a ilha era apenas a idealização de tudo que seu peito guardava e que, eventualmente, teria que confrontar seus anseios e se libertar de certas amarras.
“Se meu amigo esconde peidos de mim, o que mais ele esconde?”
“Por que eu estou no seu telefone?”, pergunta a garota do ônibus para Hank, que, pela primeira vez, responde sem medo: “você parecia muito feliz e eu não era.”
Ele diz que nunca se matou, pois sempre havia algo bonito que o fazia seguir em frente. Os sonhos nos movem, mas são os movimentos reais que nos preenchem e Manny havia provado para o protagonista que todos merecem ser felizes. Não sabemos o que será de Hank ao subir dos créditos, entretanto, temos certeza de que suas aflições são menores e que seu autoconhecimento é bem maior, assim como suas esperanças.
O roteiro é sutil o suficiente para tornar os diálogos entre os personagens, ao mesmo tempo, obscenamente hilários e reveladores sobre a natureza introspectiva de Hank. Uma conversa sobre masturbação ganha complexidade quando escutamos o protagonista falar sobre a relação com seus pais.
A beleza e a tristeza também caminham lado a lado pelo claro embate entre sonho e realidade. Nesse sentido, a montagem é fundamental ao trazer flashbacks que expõem o solitário Hank, que se confunde com o alegre, que recria o seu cotidiano ao lado de Manny.
A montagem também merece créditos por conferir dinamismo ao filme, imprimir um excelente timing cômico e conversar diretamente com a originalíssima trilha sonora.
O pênis do cadáver ser uma espécie de bússola e seu peido, praticamente um super-poder, são elementos fundamentais para manter o tom do filme entre o cômico, o trágico e o romântico.
A fotografia varia de acordo com o desenvolvimento da amizade entre Manny e Hank, iniciando com o cinza, partindo para cores mais intensas e voltando para algo mais escuro.
A direção de arte é espetacular. Os cenários são montados a base de restos deixados na floresta e captam brilhantemente a essência dos sentimentos de Hank, suas idealizações e seus sonhos. A forte luz em “sua musa”, combinada pelo uso de câmera lenta fazem desta uma linda sequência.
Os diretores Daniel Scheinert e Daniel Kwan demonstram uma enorme sensibilidade para lidar com temas delicados e um humor “juvenil”. Se no início víamos mais planos gerais, que expunham a solidão de Hank, no seu caminho para a civilização, os enquadramentos se tornam mais estáveis ou até fechados, provando que o laço entre os dois era de fato fortíssimo.
A habilidade deles em criar tensão também chama a atenção, principalmente em uma sequência que se passa em uma ponte, na qual os diretores optam por diversos planos distintos, dando um panorama completo para o espectador.
Daniel Radclife faz de Manny um cadáver ingênuo, engraçado e profundamente humano. O ator trabalha muito bem o arco do personagem, explorando pequenos ajustes na fala e na forma de se portar. Há algo extremamente cativante em seu sorriso e Radclife merece todos os elogios.
Paul Dano oferece uma das melhores performances dos últimos anos. Seu personagem é extremamente melancólico e introspectivo. Ainda assim, o ator nos faz rir com tiradas dignas de boas risadas e impressiona por carregar um arco denso e complexo. Pela primeira vez na vida, Hank experimentou algo diferente da solidão. Enxergamos sua felicidade, seu encantamento, sua esperança e, principalmente, seu enfrentamento perante os dilemas de sua vida. Dano é um artista expressivo e cativante, um dos grandes nomes da atualidade e sua interpretação é genuinamente tocante.
“Swiss Army Man” é um filme que explora a vulnerabilidade dos seres humanos e a sua intensa necessidade de se relacionar com alguém.
O que você achou deste conteúdo?
Média da classificação / 5. Número de votos:
Nenhum voto até agora. Seja o primeiro a avaliar!