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Sidney Falco é um assessor de imprensa que só aceita jogar com os grandes. O mito em torno de J.J. Hunsecker, o principal colunista de Nova Iorque, é cuidadosamente estabelecido e, ainda assim, quando ele finalmente surge, ficamos impressionados com sua malícia. “O murmúrio ganancioso de homens pequenos” e “todos conhecem Manny Davis, a não ser a Sra. Manny Davis” são punhaladas sutis de um sujeito cuja retórica está um passo à frente do espectador. Sua descrição acerca de Sidney é precisa: “O Sr. Falco, é bom que se diga, é um homem de quarenta rostos, não um. Nenhum tão bonito e todos enganadores”.

O assessor se camufla de acordo com a ocasião, esqueceu há tempos o significado de empatia e age unicamente por ganância e sucesso. Ele está sempre em movimento, cercando os mais poderosos, o que é ressaltado pelo cineasta Alexander Mackendrick, que o coloca em ambientes apertados e, muitas vezes, em segundo plano, como uma sombra.

Hunsecker não é o seu “melhor amigo” pelo companheirismo, mas por ser o colunista mais influente e sujo da cidade. “Quem pode amar um homem que faz você saltar por círculos de fogo como um poodle treinado?”

Sidney tinha um prazo para separar Steve Dallas, um guitarrista de jazz, de Susan, irmã de Hunsecker, no entanto, o casal está mais próximo do casamento do que do término. O colunista não liga para sentimentos, nem para seres humanos, apenas para Susan, que, segundo o próprio, é muito jovem e não pode sair de sua asa. Ele não costuma dar segundas chances, mas conhece a capacidade ardilosa de Sidney e gosta que os outros rastejem aos seus pés.

Em “Diner”, de Barry Levinson, há um personagem cuja única função é recitar as falas de “Sweet Smell Of Success”. Sempre achei aquilo curioso, todavia, foi somente agora, após ver o filme, que entendi o porquê da inserção daquele coadjuvante. Os diálogos, repletos de cinismo, astúcia e mordacidade, escorrem como manteiga nos ouvidos do espectador, então não se espantem com a quantidade de aspas que abrirei e fecharei ao longo da crítica. No fundo, a trama pouco importa, são os diálogos que dão profundidade aos personagens, enriquecem o meio que os circunda e conferem fluidez à narrativa; são os diálogos que nos desconcertam e proporcionam risadas inesperadas.

Hunsecker, com suas farpas convidativas, coloca Sidney na sua zona de conforto. Primeiro, ele chantageia um colunista rival que não se rende, chamando a atenção de outro jornalista importante. Todos querem derrubar Hunsecker e é com essa abordagem que o protagonista seduz Otis Elwell, que pede algo em troca para destruir a imagem do namorado de Susan: uma noite com uma bela mulher. O machismo é um dos vários defeitos de Sidney, que usa uma ingênua vendedora de cigarros como sua prostituta particular. O plano em que Rita inclina o rosto, imerso nas sombras, é devastador e esteticamente belo. “Aliás, não tenho nada contra mulheres que pensam com o quadril. É da natureza delas”.

Hunsecker está a par de tudo, mesmo quando desconhece o cenário completo. “Você parece feliz, Sidney. Por que estaria feliz se eu não estou?” 

Sem escrúpulos e decência, os dois, sem muito esforço, conseguem o que o colunista desejava. Lembrando, o plano consiste na separação de um casal de adolescentes apaixonados; jovens inocentes que se amam e nunca fizeram mal a ninguém. Hunsecker é tão solitário, que não consegue imaginar perder seu único resquício de humanidade e Sidney quer somente o seu lugar no jornal mais badalado.

O momento que melhor define a relação entre os dois, é aquele no qual o colunista diz para Steve que se Sidney chegasse perto de Susan, pegaria um taco de beisebol e quebraria a cabeça dele – enquanto Sidney acende seu cigarro. Sarcasmo e elegância se misturam numa sincronia digna de aplausos. Afeto é um desperdício, eles estão juntos por “causas maiores” e podem mudar de lado a qualquer instante.

Steve tem princípios e integridade, não aceita as ameaças de Hunsecker, que tem um jeito discreto de manipular a todos.

-O que isso significa, “integridade”?

-Um bolso cheio de fogos de artifício, esperando por um fósforo.

O contra-plongée destaca a imponência de Hunsecker, que, juntamente com seu “escravo”, arma um teatro a fim de pôr fim naquele namoro. A imagem de Susan escondida em meio às cordas das cortina do teatro é simbólica – ela é a boneca do irmão.

A escuridão é a marca principal desse meio, mas está especialmente atrelada ao colunista, o rei da malícia e da perversidade; uma figura cavernosa que inspira apenas sentimentos repugnantes. Ninguém pode levantar a voz diante de Hunsecker e Steve estava prestes a pagar o preço por sua ousadia. “Acho que vou para casa. Devo ter deixado meu senso de humor no outro paletó”, diz Sidney, desconversando sobre um possível acerto de contas. Um pingo de compaixão? Não, apenas a fraqueza de um homem que faz qualquer coisa por reconhecimento. “É um prisioneiro de seus próprios medos, ganâncias e ambição”.

Qual o preço de uma coluna no jornal? A vida de um jovem? Hunsecker é brilhante em suas articulações, mas é tolo no aspecto familiar, afinal, se amava tanto a irmã, notaria que uma “vingança” a levaria a um profundo estado de depressão. Eles são vampiros, funcionam em reuniões, em intimidações, na malandragem, nos bares, nas redações e, principalmente, nas madrugadas. O sol queima suas peles, o dia é para aqueles que bebem água, não sangue.

A trilha sonora jazzística e a montagem à base de fusões dão frescor à narrativa, que se move com a perspicácia e a sedução comuns aos personagens.

Tony Curtis encontra um equilíbrio formidável entre um sujeito atrapalhado, obrigado a plantar mentiras e a convencer “pobres coitados, e um malandro que, apesar do péssimo caráter, esbanja carisma e tem a maioria dos “otários” que se consideram espertos na palma de sua mão. Como Hunsecker frisa, Sidney é um homem de quarenta rostos e essas transições de personas são precisamente articuladas.

Burt Lancaster é um intérprete naturalmente imponente; dito isso, aqui, ele surge como um misto de Darth Vader e Don Corleone. Não é apenas a retórica imbatível, sua entonação vocal firme e a postura praticamente imutável também entram na equação. No fim, temos um vislumbre de um homem frágil e machucado, o que engrandece o seu personagem.

“Sweet Smell Of Success” é cinema do mais alto nível. Uma obra prima que merece estar no topo de qualquer lista. 

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