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Umas das principais qualidades de Hal Hartley é a facilidade que tem para inserir o espectador em seus universos peculiares. Ele subverte o convencional e confia na sua criação, que, de fato, tem um raro poder hipnótico. É impossível se identificar de imediato com seus protagonistas; é impossível não se identificar com seus protagonistas ao subir dos créditos. Hartley olha com muito carinho para os mais solitários e desajustados, flertando entre a caricatura e o cerebral e revelando-se como um dos cineastas mais sensíveis de sua geração.

Bill planejou o assalto perfeito e não esperava ser traído pela mulher que ama e por seu parceiro de crime, que o abandonam e fogem com o dinheiro. Dennis, irmão de Bill, vai à prisão, onde McCabe, seu pai, um famoso jogador de baseball, está detido sob a suspeita de ter detonado uma bomba no Pentágono, com vítimas fatais. Os funcionários da cadeia não escondem a idolatria pelo astro de um dos esportes mais populares do país: “Ele não explodiria o edifício se soubesse que havia gente lá”. Estudante de filosofia, Dennis surge como um jovem perdido; sua busca pelo pai que desconhece é uma tentativa de se conhecer e de encontrar algum significado para sua, até então, pacata existência.

Desgostoso em relação à vida, Bill não esperava pelo baque e quer apenas sair da cidade. “As mulheres não querem que as amemos”, afirma o protagonista, decidido a fazer com que a próxima bela moça que encontre passe pelo mesmo sofrimento. Bill não poderia ligar menos para o pai, que fugiu da prisão, todavia, decide ajudar Dennis. Igualmente sem rumo, os irmãos, apesar de preservarem um aspecto taciturno, não poderiam ser mais diferentes. Bill conhece as linhas tortas da trajetória humana e não esconde sua malícia e desesperança, porém, no fundo, não faria mal a uma mosca. Dennis, por sua vez, é uma folha em branco e tem noção disso.

Hartley acredita em encontros fortuitos. Esse é o tipo de filme em que um frentista, repentinamente, liga a guitarra no amplificador e começa a tocar “Greensleeves”, um tema que exala romantismo e solidão. Hartley tira os irmãos do vazio urbano, levando-os ao bucólico, a paisagens que evocam paz e bons presságios. O cineasta não demora a estabelecer núcleos. Bill se aproxima de Kate, que trabalha com agricultura, a princípio, para fazê-la sofrer; no entanto, assim que entra em contato com os próprios sentimentos e com a raridade da situação, demonstra ser um homem sensível. “Vou passar o resto da minha vida aqui”. Dennis cuida de Elina, que sofre de epilepsia e mantém uma postura desconfiada, principalmente após descobrir o intuito da viagem dos irmãos. Quem é ela? Qual sua relação com McCabe? Sua aura misteriosa atrai Dennis, que se apaixona pela mulher que estava prestes a fugir com seu pai. A busca, no fim das contas, era por um sujeito da pior estirpe, o que ressalta, novamente, que a trajetória é mais importante que o destino. O homem que lhe daria as respostas é, na verdade, seu rival.

Kate já foi casada com Jack, que tentou assassiná-la e foi recentemente libertado da prisão. Hartley é um mestre em criar e desconstruir mitos. Este, em especial, serve à vulnerabilidade de Kate, que se sente segura ao lado de Bill, e às particularidades de sua narrativa. Hartley olha para as instituições com pessimismo, suspeitando de um prazer quase sádico de punir. Ele acredita na redenção da alma e na sensibilidade humana, mas sabe que a polícia (ou quem quer que seja) estará na cola de seus “heróis”. Nesse sentido, é interessante analisar a figura do xerife, que, a todo instante, fala sobre sua trágica vida amorosa. Ao enquadrá-lo atrás de uma cerca, Hartley apresenta o verdadeiro prisioneiro; quem realmente é intoxicado pelo vazio diário. Bill é um homem comum, à procura de carinho e paz, não um marginal – poucos desfechos são tão precisos e belos. E Dennis? Bem, ele, agora, conhece seu irmão, seu pai e a si.

Os filmes de Hartley costumam ser dominados por uma atmosfera sombria e aqui não é diferente, todavia, detalhes como a presença pontual da cor vermelha e o espaço rural contemplam a complexidade dos personagens. Hartley não gosta de se intrometer; sua câmera observa, acompanha e desvenda. Ele mostra apenas o essencial e sabe a hora de realizar um travelling insinuante em direção ao rosto de Kate. A banda escolhida para a famosa sequência de dança é Sonic Youth, cuja origem e sonoridade casam perfeitamente com a estética do cineasta nova-iorquino. Hartley tem os seus intérpretes de confiança. Robert John Burke, Bill Sage, Karen Sillas, Elina Löwensohn e Martin Donovan estão excelentes.

“Simple Men” é mais uma joia na carreira de um gênio pouco conhecido

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