“Silkwood” é um drama biográfico sobre uma mulher que se arriscou e padeceu até sofrer um inevitável “acidente”.
As grades que cercam a metalúrgica denotam o enorme poder que as grandes empresas têm perante seus operários. Karen Silkwood é uma mulher comum, que vive em uma casa comum, tem um salário comum e um namorado comum.
Ela percebe que o trabalho se dá em condições insalubres, sob o risco de contaminações por plutônio e que seus superiores escondem vazamentos de gases radioativos, capazes de colocar uma cidade inteira em risco.
O roteiro assinado por Nora Ephron é repleto de camadas, não ficando apenas no drama ou numa espécie de thriller “político”. Assim como a maioria dos filmes de Mike Nichols, “Silkwood” se atenta a detalhes do cotidiano, interações genuínas, relações humanas e um humor que parte de diálogos casuais.
Os leves movimentos de câmera e a doce trilha sonora criam uma atmosfera harmoniosa na metalúrgica, as pessoas se gostam, se preocupam umas com as outras e conversam com uma naturalidade fascinante. Karen vive com seu namorado, Drew, e sua melhor amiga, Dolly. A casa é acolhedora e a dinâmica entre os três é deliciosa, repleta de afeto e descontração.
A contaminação de uma das colegas de Karen, seguida pela sua própria, chama a sua atenção para uma questão muito séria e até então abafada.
O plutônio é uma substância cancerígena, que, em determinados níveis mata rapidamente uma pessoa. Some isso às condições insalubres de trabalho e você tem um arco de uma personagem que sai de sua zona de conforto, deixa sua meiguice de lado e se arrisca, envolvendo-se diretamente com o sindicato e com a grande mídia.
“Silkwood” é um drama extremamente humano, pois compreende que em determinadas situações, cada qual tem o direito de reagir da forma que entender justa e adequada.
Karen não é abraçada inteiramente por seus colegas.
Drew, que esbanjava gentileza e ternura, a abandona, revelando-se simplista e enciumado. Ele acaba retornando no final, o que é fundamental para a estabilidade emocional da protagonista, mas sem nunca entender verdadeiramente o porquê de todo o seu envolvimento. Drew gostaria de se mudar, viver uma vida tranquila e encontrar um novo emprego.
Dolly é homossexual e, em certo momento, se torna invasiva aos olhos de Karen. Os diálogos entre elas são poderosos e denotam uma intimidade que somente grandes amigas dividem. Discussões, pedidos de desculpas e lágrimas estão por todos os lados e fortalecem o laço entre as duas.
No decorrer da história, o ativismo de Karen não é bem recebido pelos colegas de trabalho, atraindo, ao contrário, olhares de desconfiança e abordagens ríspidas. Nichols então passa a optar por planos fechados, auxiliados por uma montagem que ajuda a criar uma sensação de julgamento constante.
São pessoas tão miseráveis, que não se importam com um pouco de plutônio em seus pulmões, desde que recebam seu salário no fim do mês. O roteiro aponta para um sistema de trabalho em que seres humanos se reduzem à condição de objetos, que podem se sujeitar, resignados, a qualquer tipo de maltrato e de risco.
Essa deterioração é triste de se acompanhar e acaba fragilizando Karen, cuja personalidade se transforma drasticamente durante o filme.
O que, entretanto, não altera a sua conduta e o seu propósito, de agregar o máximo de provas possíveis para expor a total negligência da metalúrgica, mesmo à base de sacrifícios e retaliações.
Karen Silkwood não quer fama, quer apenas proteger as pessoas de uma catástrofe. Ela tem três filhos e carrega a mágoa de não os ver muito, porém o roteiro não entra a fundo nesse aspecto, tratando-o apenas como um traço da personalidade da protagonista.
Karen passa por estágios diferentes: a harmonia e o carinho no trabalho, o ativismo por condições dignas de trabalho, a dor decorrente de um profunda solidão – Nichols não economiza nos planos em que a vemos por diferentes ângulos completamente sozinha e desolada -, o medo de morrer pela contaminação e a esperança de que tudo vai dar certo.
Tirando os corrimões vermelhos da metalúrgica, que denotam o perigo do lugar, “Silkwood” é um filme de cores frias e ambientes simples. É uma mistura entre um drama pesado, um suspense sugestivo e uma série de cenas que provam um profundo entendimento da natureza humana por parte dos realizadores.
O final é belo e tristíssimo, conduzido de forma sensível por Nichols e potencializado pela bela voz de Meryl Streep, que oferece uma performance complexa e digna de aplausos.
Não enxergamos a atriz, apenas a verdadeira Karen Silkwood em todas as suas fases. Streep é genuinamente engraçada, ri de coisas bobas, chora com todo o seu coração, se entrega a uma paixão sem tirar suas prioridades da frente e caminha adiante com fortes convicções. Não sei se essa é a sua melhor interpretação, mas é, sem dúvida alguma, uma das melhores, repleta de nuances e detalhes impressionantes.
Kurt Russell está ótimo como o companheiro apaixonado e tranquilo. Ele não está errado e o grande mérito do ator é nunca se exaltar, deixando claro o que sente a partir de suspiros e olhares.
A química entre ele e Streep é excelente.
Cher fecha o trio principal como uma presença excêntrica e necessária para abraçar a protagonista nos momentos mais difíceis.
A trilha sonora varia perfeitamente entre batidas aprazíveis e tensas, ditando o ritmo do filme com bastante cuidado.
Mike Nichols realiza um excelente trabalho, controlando o tom da obra através de sua câmera. Em determinada cena, na qual a contaminação de Karen é detectada, sua câmera se movimenta de forma atordoada e depois fecha em seu rosto, que chora de dor e humilhação.
“Silkwood” é um grande filme, muito bem dirigido, brilhantemente interpretado e impecavelmente escrito.
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