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Sunny von Bülow está em estado vegetativo. Vítima de uma overdose de insulina, seu corpo continua saudável, mas seu cérebro morreu. Seu marido, Claus, é tido como o principal suspeito e as provas são suficientes para condená-lo a trinta anos na prisão.

Ele matou a esposa? Não sabemos, o filme é fiel aos fatos – é inspirado numa história real – e está muito mais interessado em mostrar as artimanhas por trás de advogados colocados contra a parede. “Todos têm direito à defesa”, afirma Alan Dershowitz, que não tem muitas dúvidas em relação à culpa do protagonista. “Quanto menos souber, mais opções eu tenho. Quando me conta a “verdade”, limita a minha defesa ao que disse”.

Todos os casos, por mais absurdos que soem, têm brechas e os advogados talentosos são aqueles que atacam as entrelinhas, os detalhes que os menos capacitados deixaram desguarnecidos. A família de Sunny contratou um advogado particular para escolher as evidências mais convincentes. A prisão de Claus ratificaria o poder dos ricos, que, em outras ocasiões, partiriam para a mesma estratégia contra pessoas humildes, sem condições de combatê-los.

A indignação é o passo inicial e Alan a tinha, então monta uma equipe de pupilos famintos por vitória, partindo para um ataque minucioso em todas as áreas que abrangem o julgamento, pois sabe que não basta apenas apontar a falha dos adversários, os jurados e o público precisam se convencer de que Claus von Bülow é inocente. Na verdade, o fato de todos o odiarem é benéfico, afinal, pode ser uma ponte para as incoerências e arapucas armadas pela equipe de Sunny.

Alan é tão aficionado por seu trabalho, que esquece de alguns entes queridos, tratando os clientes como a prioridade máxima em sua vida. Ele não confia no protagonista e estranha o seu comportamento, todavia, passa madrugadas em claro, preocupado com seu futuro. Em nenhum momento somos convencidos de que aquele homem é inocente; quem nos leva a um veredito são os bons advogados, os que pensam no caso como um jogo de xadrez, tendo sempre uma nova estratégia em mente.

Eles não são desleais, pelo contrário, se mantêm firmes na lei, provando apenas que a atenção máxima e a boa retórica são mais importantes do que a verdade.

Interpretado por Jeremy Irons, que venceu o Oscar, Claus von Bülow é uma figura esquisita e ambígua. Sua entonação vocal, o rosto congelado e os trejeitos remetem ao Conde Drácula, e o desconforto que seus contratados sentem ao cumprimentá-lo é notável. A mansão de Sunny, que agora é sua, serve para separá-los de seres ordinários. Os detalhes em dourado, a presença do vermelho e o tamanho assombroso da residência ressaltam sua condição vampiresca e conversam com sua frieza. Qualquer assunto é tratado pelo protagonista com um certo ar de superioridade ou descaso, o que é visível também na maneira como ele segura o cigarro.

Os únicos depoimentos que escutamos são os seus e, honestidade à parte, não deixam de ser versões detalhadas dos fatos. A narração de Sunny, em vez de clarear a situação, nos deixa em dúvida. Ela era, de fato, viciada em drogas, remédios, álcool… e tinha sérios problemas de saúde. Seu castelo era um refúgio daquilo que mais detestava: pessoas. “Nunca gostei muito de gente. Não como regra. Mas Claus era, de alguma forma, diferente. Não era uma pessoa comum”. 

Autodestrutiva, Sunny usava a sua fortuna para prender interesseiros e, ao perceber que o protagonista queria trabalhar novamente e que pensava, inclusive, no divórcio, se afundou ainda mais nos vícios. Teria ele planejado o assassinato para ficar com a herança ou, antecipando a ruína da mansão, Sunny se suicidou?

Não há como ter certeza de nada e, nesse sentido, o momento mais emblemático é aquele em que parte do rosto de Claus, já em sua limusine, fica imerso às sombras. A relação dos von Bülow, a não ser no início, descrita por Sunny como terna e apaixonada, é marcada por tons azulados, que refletem o estágio do casamento, a falta do contato físico e a natureza dos personagens.

Em contrapartida, a casa na qual os advogados se reúnem e trabalham ostensivamente, apesar de ficar rodeada por papéis e livros, impressiona pela fluidez nas interações, pela descontração e pelos ocasionais jogos de basquete ao ar livre. Quando Claus os visita, o clima muda; ele não pertence àquele ambiente e, ao ser bombardeado por perguntas, fica no centro do quadro – é um objeto de estudo, não um semelhante.

“Legalmente, Claus, essa vitória foi importante. Moralmente, é com você”. O olhar de Irons é inconclusivo.

Cuidadoso em seus trabalhos de direção de arte e fotografia e elevado por performances memoráveis, “Reversal Of Fortune” é um excelente filme.

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