“Dead Man Walking” é um filme perfeito no que se propõe a discutir. Poucas obras conseguem abordar um tema tão delicado e expor os dois lados da moeda sem exageros ou mentiras.
Helen é uma freira carinhosa e amável. Ela aparece cercada por crianças e recebe uma carta de Matthew Poncelet, um criminoso condenado, no corredor da morte. Helen não tem muita experiência com esse tipo de caso, mas há algo dentro dela – que é a força que move o filme – que a leva até ele: empatia, na sua mais pura definição.
Não é uma atitude normal, toda a comunidade considera Matthew um monstro, uma aberração que, juntamente a um amigo, matou dois jovens. Cogitaríamos que alguém que comete tal brutalidade não merece ser tratado como um ser humano. Por sorte, nossa perspectiva é a de Helen, ou seja, largamos algumas convicções e enxergamos algo complexo por uma ótica mais abrangente, uma que tenta entender e buscar a humanidade no maligno. Se Matthew fosse apenas um monstro, não mandaria cartas pedindo ajuda. Ele surge com um olhar ambíguo, simultaneamente, vazio e agressivo. Matthew fala sobre a falta que as mulheres fazem, “canta” a freira, destila preconceito, mas admite que nunca amou alguém e chora. Esse é o tipo de arco que estamos lidando. Um homem destrutivo, acostumado a se ver como uma vítima e a culpar os outros. Ele nunca teve nada e, de repente, uma freira aparece e o trata com carinho, como um ser humano que merece atenção, tem histórias para contar, sorri quando pode e chora pelo que está prestes a acontecer.
Meu maior receio antes de assistir ao filme era como eu iria me relacionar com o protagonista, afinal, Matthew não é nada simpático e cometeu crimes imperdoáveis. Tim Robbins prova que um bom roteiro é capaz de qualquer coisa e, ainda mais importante, de mostrar que podemos e devemos ser seres humanos melhores. É óbvio que Matthew aprova o nazismo, fala de sexo como algo sujo, é duro demais e exala ódio, foi isso que lhe foi ensinado. Seu pai não aparece e é mencionado em poucos diálogos, mas sua influência perante o jovem Matthew é nítida. Helen não é uma freira que abraça e faz pregações. Ela confronta, tenta entendê-lo e coloca o dedo em feridas jamais mexidas. Helen é honesta, é tão genuína que nem sabe o motivo de estar ao lado de um assassino. Seu coração a leva até Matthew e é ele que transforma não só o protagonista, mas também o espectador. A cena em que ele finalmente admite o que fez e diz que espera que sua morte dê algum tipo de conforto aos pais das vítimas dói pela honestidade das palavras. São lágrimas de um homem arrependido, que sabe que parou para refletir tarde demais, mas que, ao menos partirá em paz consigo. Em seus últimos dias, Matthew não quer ler a bíblia, ela lhe deixa com sono e do que adianta dormir agora, se em poucos dias o descanso será eterno? A última reunião com a família também é um belo momento. Eles riem e contam histórias do passado como qualquer família. Não vemos nenhum monstro ali, apenas um irmão carinhoso e um filho preocupado com o estado emocional da mãe.
Tim Robbins conduz o filme com um olhar generoso, que machuca o espectador em praticamente todas as cenas. A sede por vingança é plenamente compreensível e justa. Enquanto Matthew tem o seu arco, a montagem, espertamente, insere a sequência de estupro e assassinato, tornando o filme ainda mais complexo. Os pais se voltam contra Helen, reprovando veementemente qualquer tipo de apoio ao sujeito que destruiu suas famílias. Nesse sentido, o design de produção é fundamental. A residência dos Delacroix está bagunçada, cheia de caixas pela sala e reflete o estado emocional deles; já a dos Percy, é tomada por porta-retratos da família feliz e unida, algo que nunca mais irá acontecer. Eram jovens com aspirações, que terminaram abandonadas em uma floresta. Por que o culpado deve seguir vivo por aí? Não seria justo dar a ele o mesmo fim? Mais brutalidade? Essa é a resposta?
Nada é simples e o choro de Helen ao se sentar em frente a essas famílias destroçadas deixa isso claro, contudo, esse é o tipo do caso que requer mais do que uma simples resposta na mesma moeda.
Os últimos minutos estão entre os mais deprimentes e brutais que já assisti. Somos obrigados a acompanhar todo o processo da execução, desde a alimentação até seu corpo se paralisar por completo. Robbins utiliza planos-detalhe e fechados para tornar o momento ainda mais assustador e íntimo. É assim que as coisas funcionam, o espectador tem acesso a tudo e pode tirar suas próprias conclusões. A montagem intercala o fim de Matthew com o assassinato na floresta e a única certeza que fica é a de que ambos são atos absolutamente abomináveis e violentos.
Tim Robbins demonstra um domínio invejável ao saber a hora de dar espaço aos atores e a de usar, por exemplo, um close up para ressaltar o desconforto de Helen ao ouvir os relatos do padre sobre Matthew ou para expor a crescente intimidade entre os protagonistas. Outro momento impactante é quando o pai do jovem assassinado mostra fotos e pertences dele para Helen e a câmera, lentamente, se afasta, respeitando a dor daquele homem. Os relógios estão por todos os lados e aumentam o tom melancólico e claustrofóbico da obra. Gosto também da forma como Robbins trabalha os ambientes, indo de espaços abertos e do calor humano no convívio semanal de Helen, para a cela apertada e oprimida pelas grades na prisão.
O vermelho também é muito presente na cadeia, tendo a conotação óbvia de morte e violência, seja ela do protagonista ou da constituição americana.
Susan Sarandon oferece uma performance belíssima, demonstrando dúvida e empatia com a mesma intensidade. Ela nunca abaixa a cabeça para Matthew e é exatamente isso que o transforma. Helen quer ajudar as pessoas, mas sabe que nem todos compreendem suas intenções, e os que entendem, admitem que não são tão bondosos quanto ela. Sua personagem carrega muita dor, respeito e amor. A atriz ainda nos faz rir em determinadas situações.
Sean Penn demonstra novamente porque é o melhor ator de sua geração. Sua atuação é, ao mesmo tempo, repleta tanto de controle quanto de emoção. Vemos aquele sujeito evitando contato visual e tentando chamar atenção da freira. Gradativamente, Matthew vai mudando, se abrindo e demonstrando uma nova faceta. Seu choro é arrepiante e sua capacidade de provocar emoções poderosas no espectador apenas com o seu olhar é impressionante. Com pouco, Penn vai de durão e agressivo para exausto, assustado e consciente. Sem falar no sotaque criado pelo ator que apenas enriquece ainda mais o personagem.
“Dead Man Walking” é uma obra prima inesquecível.
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