“The Royal Tenenbaums” é um belíssimo filme sobre redenção e sentimentos renegados. A coleção de personagens é fascinante, cada qual tem algo a dizer e, assim como em “Rushmore”, circulam muito bem entre o peculiar e o relacionável.
Royal não foi um bom pai. Seus filhos foram alçados à condição de gênios precocemente, mas isso não tem nada a ver com os diferentes distúrbios e dores que nutrem. Habilidoso com números e negócios, Chas viu seu pai roubar seu dinheiro, alojar uma bala de chumbo em sua mão e ignorá-lo rigorosamente; em contrapartida, Margot – a adotada – era relembrada regularmente de sua “condição” e mal era considerada um membro da família; já Richie, era o seu favorito, o único que podia acompanhá-lo em seus programas e se divertir. Diante de tal egoísmo e insensibilidade, sua esposa, Etheline, não encontrou outra opção a não ser o divórcio. Os filhos cresceram, sua ex-mulher seguiu sua vida e ninguém procurou por Royal, que seguiu sua trajetória solitária e individualista.
Margot passa os dias fumando escondida no banheiro e assistindo televisão na banheira – ato que denota seu desleixo perante a própria vida. Sua entonação é mórbida, assim como suas expressões faciais, que pouco variam. Seus olhos são tomados por uma maquiagem preta que ressalta a sua silenciosa melancolia. Ela tem um marido, mas não o trata como tal. Segredos e mentiras são como beber água, ninguém a conhece verdadeiramente. Margot parece não valorizar nada e quando descobrimos que isso não é bem verdade, a dor se torna ainda maior.
Chas acorda seus filhos de madrugada para fazer um teste de incêndio. O medo e a solidão o consumiram tanto, que em nenhum momento o vemos relaxado ou dando um sorriso. Sua mulher morreu e seu pai não o tratou da melhor forma. Ele quer ser um exemplo para os filhos, porém não sabe como. Regras são importantes, mas não podem passar à frente de absolutamente tudo. O vermelho de seu conjunto da adidas expõe seu estado crônico de alerta e medo. A padronização absoluta priva o indivíduo, que não encontra espaço para si. Sem perceber, Chas faz o mesmo que seu pai fazia, pois, mal ou bem, aquele era o seu exemplo.
Richie talvez seja o personagem mais trágico do filme. Ele sente um amor profundo, que é recíproco, porém impossível de ser consumado. Sua carreira de tenista foi arruinada por isso e o exílio só piorou a situação. Richie ama a sua irmã adotiva. O roteiro assinado novamente por Owen Wilson e Wes Anderson trata esse sentimento com delicadeza, sem julgá-lo, nem criando falsas expectativas de um final feliz. A força de um amor também pode ser corrosiva, todos os momentos em que Richie aparece deixam isso nítido e a cena da tentativa de suicídio é a mais marcante.
No ápice de suas fragilidades, os três filhos decidem voltar para a casa da mãe, que está prestes a se casar com Sherman, seu colega de trabalho. Eis que surge Royal e se sente ameaçado, afinal de contas, no papel, seu casamento ainda estava em vigor. Ele inventa que está com um câncer terminal e retorna para casa para conviver com a sua família em “suas últimas semanas”. O que começa como um exercício egocêntrico se transforma em um período de reflexão, aprendizado e arrependimentos. Mesmo sendo uma presença indesejada, Royal sabe que aqueles foram os melhores dias de sua vida. Os diálogos com os filhos são reveladores. A desconexão com Margot é impressionante e o rancor de Chas parece irreparável. O único que demonstra afeição pelo pai é o pobre Richie. Royal tenta diminuir o efeito de seu comportamento, trata tudo como uma brincadeira e, gradativamente, percebe que errou feio. Diria que o arco do relacionamento dele com Chas é uma das coisas mais belas do filme. O desfecho dos dois é memorável e a transição é honesta. A sequência em que Royal sai com os seus netos também é sensacional e, além de divertida, sintetiza a sua vontade genuína de se redimir. As cenas que ele divide com Etheline são doces e evidenciam que, mesmo conturbado, o casamento teve os seus bons momentos. A “disputa por território” entre Royal e Sherman é engraçadíssima, principalmente pelo sarcasmo destacado pelo roteiro. Apesar de sua coleção de personagens melancólicos, “The Royal Tenenbaums” é um filme hilário cujo humor vem de situações inesperadas. O espectador não sabe se chora ou ri.
O elenco é talentosíssimo e todos estão excelentes. Gene Hackman faz de Royal um sujeito controverso, cujos erros são graves, entretanto, seu perdão é genuíno, assim como sua dor ao olhar para os filhos e notar que deveria ter sido um pai melhor. Hackman une brilhantemente seu talento para a comicidade com uma grande performance dramática. Luke Wilson também merece um destaque especial, pois, com poucas palavras, atinge um nível absurdo. Seu olhar é dolorido e suas palavras saem rastejando de sua garganta. Ninguém fala sobre essa atuação que, na minha opinião, está entre as melhores da década de 2000.
Wes Anderson demonstra um controle invejável em seu terceiro filme. Seus movimentos de câmera são ainda mais inesperados e precisos, sendo fundamentais para certas revelações e uma quebra no tom melancólico. Os close-ups são bastante expressivos, assim como os seus elegantes planos-detalhe. Os quadros de Anderson são meticulosos e a presença sempre escanteada de Margot é algo que chama atenção. Com detalhes desse tipo, o diretor cria rimas interessantes.
A montagem é algo a se apreciar. A inserção de fotos, flashbacks e dos mais diversos planos-detalhe são essenciais para o equilíbrio entre a melancolia e o humor. O uso de jump cuts na famosa sequência em que Richie corta os pulsos é primoroso. Além de didática, a montagem é moderna e ajuda na fluidez da trama.
Seguindo uma estrutura capitular, “The Royal Tenenbaums” é apresentado como um livro infantil, logo, o uso de cores é marcante. A fotografia abusa do amarelo saturado para reforçar o tom “fantasioso”. A luz, quando Margot aparece para buscar Richie no aeroporto é fortíssima, realçando o que ela representa para ele.
A direção de arte também utiliza cores vibrantes dentro da casa dos Tenenbaum, com ênfase para o vermelho, que representa um carinho adormecido. A decoração também é significativa. Os jogos de tabuleiro amontados naquela salinha comprovam que em algum período eles foram felizes.
Os figurinos dizem muito sobre as personalidades de cada personagem. Royal usa um terno cinza – frieza -, mas sua camisa é rosa e sua gravata é vermelha – redenção, vontade de ser amado e amar sua família. Sherman está sempre com um paletó azul bem chamativo, que reforça a sua vontade de vencer a ‘’batalha” contra o protagonista. Richie usa um paletó em tom pastel e óculos escuros, que salientam a sua introspecção e solidão. Ainda temos Eli, interpretado por Owen Wilson, que veste uma roupa de cowboy, que evidencia a sua dificuldade em se manter fiel a si mesmo após o sucesso de seu primeiro livro.
As canções escolhidas por Wes Anderson são fantásticas e conversam diretamente com a trama, que varia entre tons.
Vale ressaltar também a ótima narração de Alec Baldwin, que em nenhum momento se torna invasiva.
“The Royal Tenenbaums” é um filme impecável.
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