Brokeback Mountain, de Ang Lee. EUA/Canadá, 2005. 120 min.
A edição de 13 de outubro de 1997 da revista The New Yorker publicou um conto de Annie Proulx, uma senhora de 62 anos de idade conhecida por escrever romances ambientados em ambientes rurais. O conto em questão chamava-se Brokeback Mountain e continha todos os ingredientes característicos da obra da autora: amor, sexo, crítica social e ambientação nas montanhas americanas. Só havia uma diferença: desta vez o romance era entre dois homens. Em 2 de setembro de 2005, oito anos depois da publicação na revista, Brokeback Mountain tornou-se o filme com personagens gays mais premiado da história do cinema.
Além do BAFTA (o Oscar britânico) de melhor filme, melhor roteiro adaptado, melhor ator coadjuvante e melhor diretor, Brokeback Mountain foi eleito o melhor filme do ano pela associação de críticos de cinema de New York, ganhou o Leão de Ouro no festival de cinema de Veneza e levou o Golden Globe de melhor filme na categoria drama, melhor diretor, melhor roteiro e melhor canção, tornando-se assim o favorito para o Oscar. Foi uma surpresa geral quando Jack Nicholson anunciou Crash, de Paul Haggis, como vencedor do Oscar de melhor filme de 2006 (ele mesmo admitiu ter votado em Brokeback Mountain e ter ficado chocado com o resultado). Porém Brokeback Mountain levou as estatuetas de melhor diretor, melhor roteiro e melhor trilha sonora, além de ter sido indicado em mais cinco categorias. Entre todos os concorrentes, Brokeback Mountain foi a produção mais indicada do ano – algo até então inédito para um romance gay.
Seu enredo acompanha 20 anos de um romance entre os “caubóis” Ennis Del Mar e Jack Twist iniciado em Wyoming no início da década de 1960, mais especificamente em uma temporada em que os dois trabalharam juntos na montanha Brokeback – daí o título do filme, que infelizmente foi traduzido em português como “O segredo de Brokeback Mountain” em uma tentativa de fortalecer a ideia de que a homossexualidade deve ser escondida. O filme também teve poucas cópias distribuídas nos cinemas por aqui, mas apesar do preconceito brasileiro Brokeback Mountain fez sucesso e teve uma boa carreira em DVD – como no resto do mundo, aliás: Brokeback Mountain é um dos raros filmes que foi lançado em DVD enquanto ainda estava em cartaz nos cinemas.
Mark Wahlberg e Joaquin Phoenix foram considerados para os papéis principais, mas acharam o script “sexualmente gráfico demais”. Outros atores considerados foram Josh Hartnett, Colin Farrell, Matt Damon, Billy Crudup, Ben Affleck e Joseph Gordon-Levitt, mas quem acabou imortalizando Ennis e Jack foram Heath Ledger e Jake Gyllenhaal. Em algumas entrevistas, Ledger confessou que teve dúvidas e a princípio nem queria ler o script, mas foi encorajado a fazê-lo por Naomi Watts, sua namorada na época. “Imediatamente depois de ler o roteiro eu sabia que era o melhor que eu já tinha lido na vida, e faria qualquer coisa para conseguir o papel. Não tive medo de interpretar um homem gay – apenas receio de não ser maduro o suficiente para isso”, disse ele. Mas seus medos foram infundados: além da indicação ao Oscar de melhor ator, Heath Ledger foi o escolhido também pela própria Annie Proulx. Ao enviar o texto autografado de Brokeback Mountain para os atores, a autora dedicou o de Jake Gyllenhaal “Para Jake”, mas sem querer dedicou o de Heath Ledger “Para Ennis”. Ela não corrigiu o erro, e depois da estreia do filme declarou que “Ledger era realmente Ennis, de todas as maneiras que eu havia imaginado o personagem na minha mente tantos anos atrás.”
O elenco de Brokeback Mountain conta ainda com Michelle Williams e Anne Hathaway, duas atrizes com trabalhos anteriores focados em uma audiência bem mais jovem e que surpreenderam público e crítica encarnando Alma e Lureen, as esposas de Ennis e Jack – personagens bem diferentes das que as tornaram famosas. Até então, Anne Hathaway era conhecida pelos filmes O diário da princesa (The princess diaries, de Garry Marshall, 2001) e O diário da princesa 2 (The princess diaries 2: Royal engagement, de Garry Marshall, 2004), e Michelle Williams era vista apenas como a adolescente Jen Lindley do seriado Dawson’s Creek, de Kevin Williamson. Durante as filmagens de Brokeback Mountain, Heath Ledger iniciou um relacionamento com Michelle Williams, do qual nasceu Matilda Rose (de quem Jake Gyllenhall é padrinho).
Joel Schumacher e Gus Van Sant, ambos diretores abertamente gays, estiveram cotados para dirigir Brokeback Mountain. O trabalho acabou ficando com Ang Lee, um diretor eclético que já havia realizado filmes em muitos idiomas, locais e épocas diferentes. Seu primeiro sucesso de bilheteria foi O banquete de casamento (Xi yan), filme taiwanês de 1993 que se passa nos Estados Unidos e conta a história de um romance entre um jovem oriental e um rapaz americano que precisa enfrentar a família preconceituosa do namorado. Depois dele, Lee dirigiu filmes tão diferentes como Razão e sensibilidade (Sense and sensibility, de 1995, baseado na obra da Jane Austen e ambientado na Inglaterra vitoriana), Tempestade de gelo (The ice storm, 1997, filme independente de grande sucesso que faz uma crítica social aos valores das famílias norte-americanas da década de 1970), O tigre e o dragão (Wo hu cang long, 2000, surpreendente trama de ação e artes marciais que foi indicado ao Oscar em 10 categorias) e Hulk (ficção científica de 2003 que foi seu único fracasso nas bilheterias). Com Brokeback Mountain, Ang Lee tornou-se o primeiro diretor de cinema chinês a ganhar um Oscar.
Para juntar-se a ele no projeto de Brokeback Mountain, Lee escalou uma equipe técnica arrojada liderada pelo diretor de fotografia Rodrigo Prieto, que alcançou projeção mundial a partir do sucesso de Amores brutos (Amores perros, de Alejandro González Iñárritu, 2000) e que por seu trabalho com Ang Lee recebeu sua primeira indicação ao Oscar. A trilha sonora original do filme, que ganhou o Golden Globe e o Oscar, foi composta pelo argentino Gustavo Santaolalla, vindo também da produção de Iñárritu.
O que diferencia Brokeback Mountain das outros filmes com temas gays (além do número de prêmios e da aberta aceitação do público) é que ele não foi feito para tratar da “problemática” da homossexualidade. Trata-se de um romance que conta com os dilemas tão conhecidos das fórmulas de Hollywood – tanto que é comparado pela crítica especializada a histórias de amor como as de …E o vento levou (Gone with the wind, de Victor Fleming, 1939), Casablanca (de Michael Curtiz, 1942) e Titanic (de James Cameron, 1997). Segundo Annie Proulx, seu intuito ao criar Brokeback Mountain foi mesmo o de tocar todos os tipos de público. “Afinal, a minha obra é um romance, e todo mundo ama, não é? As únicas pessoas que terão problemas com ela serão as pessoas que têm problemas com a própria sexualidade”, declarou a autora.
Brokeback Mountain confirma a regra de que quanto mais específica é uma obra de arte, mas universal ela é. Brokeback Mountain não é apenas um filme gay inovador na linguagem, nem é apenas o mais premiado: é uma história de pessoas que enfrentam a tragédia de negarem quem realmente são. Os personagens não são punidos pela sociedade, mas por si mesmos ao se deixarem influenciar e enfraquecer pelos ideais alheios.
Brokeback Mountain mostrou ao mundo que nenhuma orientação sexual é errada, e que o verdadeiro pecado é ir contra a sua própria natureza.
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