Mona e Tamsin são jovens completamente diferentes. A primeira é ingênua, órfã e vive num pub sujo e frio, que seu irmão, Phil – um ex-criminoso que voltou da prisão regenerado, salvo pelas palavras do Senhor -, transformou em um local de encontro entre católicos. A segunda é culta, atraente e um tanto “maliciosa”. Ela vive em uma enorme casa, colorida e ensolarada.
Enquanto Mona veste roupas simples, com ênfase para uma camisa rosa claro e um casaco cinza, Tamsin usa vestidos chamativos, quase sempre vermelhos.
O verão proporciona esse tipo de encontro e permite que pessoas presas a existências vazias e melancólicas possam sonhar, ainda que por pouco tempo.
A primeira vez que vemos Mona transando diz bastante sobre sua realidade. O diretor retrata o ato de uma forma brutal e desconfortável, e o sujeito, após tratá-la como um objeto, a dispensa.
Pawlikowski, a fotografia e a direção de arte retratam Tamsin como uma espécie de salvadora, que surge em cima de um cavalo. Suas dores e perdas são similares às de Mona, no entanto, seu universo é muito mais vivo, jovial e animado. As paredes floridas, a radiante luz, as belas paisagens, o rio e os campos ensolarados dão esperança a pobre Mona, que se apaixona rapidamente. O sentimento é recíproco e, como o próprio título diz, a narrativa não segue um desenvolvimento convencional. As coisas simplesmente acontecem progressivamente, levando as duas a uma sensação de poder e alegria.
Nada é capaz de freá-las e o diretor, inteligentemente, não se preocupa em dar um arco extenso às duas. As sequências se ligam e a única certeza que temos, é de que aquelas jovens se amam cada vez mais e que finalmente encontraram um sentido para suas existências.
A pureza de Mona encanta Tamsin, que, por sua vez, contamina a amada com seu charme e ousadia – e, claro, com seu bom gosto para literatura e música.
A impressão que temos é que estamos assistindo o desabrochar de garotas presas em suas respectivas prisões, que descobrem não apenas um sentimento, também suas próprias opções sexuais.
Cafés da manhã na cama, passeios de moto, álcool, cigarros, nudismo, sexo e qualquer tipo de diversão que venha às suas mentes ditam a trajetória de Mona e Tamsin. Todavia, “My Summer Of Love” não é sobre o verão em si, mas sobre o que vem depois dele. O verão é uma ilusão, um breve período que simula a realidade, porém não é duradouro.
Mona nunca mentiu, suas juras de amor eterno eram honestas e sua dor é palpável. Sua vida era aquela e nada poderia ser feito, a não ser que Tamsin decidisse fugir com ela. Contudo, a personagem mais atrevida e inspiradora, era, no fim das contas, uma invenção. Sua mãe não era uma atriz, seu pai não a traía e sua irmã não havia morrido de anorexia. O vestido vermelho é substituído por um uniforme azul. Tamsin estava a caminho do internato e o verão era a sua forma de esquecer do futuro. Não duvido de seus sentimentos, no entanto, não podemos deixar de afirmar que ela estava somente interpretando uma personagem. Mona se apaixonou por uma pose, uma farsa e, após a efusiva saída de casa, não conseguimos sentir nada, além de pena da protagonista.
O desfecho ressalta a importância daquela experiência, do amadurecimento e da casca que cresceu em Mona, mas percebam, ela caminha sozinha e sem direção.
Não poderia deixar de falar sobre o personagem mais fascinante da história: Phil. Sua religiosidade é uma tentativa genuína de deixar seus demônios de lado. Ele reúne um grupo de católicos fiéis, constrói uma enorme cruz – quase sempre coberta por uma neblina que reafirma a dúvida perante as certezas do personagem – e tenta ser o melhor irmão possível para Mona, que enxerga em seus atos uma falsa crença. Não podemos julgá-la, afinal, se alguém ali o conhece, é justamente ela.
Phil fala sobre purificação, a força de Deus e a sua capacidade em afastar os humanos dos planos do diabo, todavia, quando é seduzido por Tamsin, em uma clara tentativa de desmascará-lo, acaba se entregando.
Ele vive para se purificar, passar adiante as palavras divinas, mas não acredita nelas. Seu único momento de exaltação é quando finalmente expulsa o grupo de seu pub e admite que não tem nada.
Paddy Considine não é um ator subestimado, suas interpretações são constantemente elogiadas. “In America” e “Dead Man’s Shoes” são filmes que, infelizmente, não alcançaram o “público geral”. O considero um dos melhores intérpretes da atualidade e pretendo dedicar uma semana a ele. Sua caracterização passa por uma dolorosa introspecção, palavras que saem de sua boca sem a menor convicção e raras explosões, que enriquecem o personagem.
Sem querer desmerecer sua carreira, Emily Blunt deveria ter feito mais obras assim. Seu talento é notável. Sua capacidade de seduzir, mentir, deixar os outros desconfortáveis e mudar completamente de personalidade em um curtíssimo espaço de tempo, é impressionante. Tamsin não é apenas uma provocadora, Blunt dosa muito bem esse lado com a sua sensibilidade.
Natalie Press encarna a protagonista com uma ingenuidade tocante. Indefesa, Mona ganha força e é, sem dúvida alguma, quem tem o arco mais intenso.
O excelente diretor Pawel Pawlikowski adota uma abordagem crua, focando em close ups e o uso constante de câmera na mão. Ele sabe a hora de respeitar um momento mais íntimo, afastando-se, e quando precisa utilizar um plano geral, a fim de enfatizar a liberdade de Tamsin e Mona ou a insegurança de Phil perante suas convicções. Pawlikowski oferece uma experiência íntima, forte e episódica – eficiente trabalho de montagem – ao espectador.
“My Summer Of Love” é um grande filme, que enxerga no verão aquilo que ele realmente é: uma breve, poderosa e enganosa estação do ano.
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