Em um pequeno vilarejo na Austrália, no século 19, Sybylla sonha acordada. Ela ainda não decidiu entre a literatura e a música, mas quer ser uma artista. O universo que habita serve de contradição para suas idealizações: o trabalho braçal e uma família resignada. A protagonista atingiu uma idade em que se tornou um fardo para os pais. “Não temos mais condições de sustentá-la”. Por sorte, ela recebe um convite de sua avó para passar um tempo em sua casa. A aridez dá espaço ao verde do campo, e o casebre, à uma residência suntuosa. Aos poucos, percebemos que o problema não é a região, mas o período em que Sybylla está inserida. O rígido código de conduta nos jantares, a previsibilidade da vida feminina, a falta de personalidade e os homens conquistadores não dizem nada à protagonista.
No seu sentimento de completa inadequação, Sybylla demonstra ser uma jovem insegura em relação à própria aparência e incapaz de funcionar numa sociedade que pré determina o que é certo ou aceitável. Sybylla quer estabelecer uma carreira, não se casar com um sujeito rico; quer aproveitar sua independência, não ser mãe de uma ninhada de crianças. Se a protagonista é dona de uma personalidade forte, o mesmo não pode ser dito dos demais personagens, imersos aos “esquemas” da época. A tia e a avó são figuras impossíveis de se diferenciar; ambas falam e se vestem da mesma forma. O que falar de Frank, o pretendente bigodudo? Que figura constrangedora e inconveniente. Helen, sua outra tia, é tão fascinante quanto um prato de sopa fervendo em pleno verão. O único que foge de tamanha pacatez é Harry, o interesse romântico de Sybylla.
“My Brilliant Career” pode ser descrito como o filme do quase. Quase interessante, quase profundo e quase gracioso. A diretora Gillian Armstrong concebe alguns quadros estonteantes, explorando as belas paisagens a partir de plano gerais e acredita no poder de sutilezas, como, por exemplo, uma simpática guerra de travesseiro. Dito isso, ela e Eleanor Witcombe, a roteirista, ficam indecisas entre a fomentação de um belo romance e do amadurecimento da protagonista, que deseja desbravar as leis e seguir o caminho das artes. Quando achamos que um dos caminhos foi escolhido, somos surpreendidos da pior maneira possível. Harry surge como o galanteador clássico e, gradualmente, se apaixona pelo jeito rebelde e autêntico de Sybylla. O filme está ali, nas trocas de olhares, nas rápidas interações e na crescente intimidade. O casamento não é uma amarra quando parte do amor e Sybylla, mesmo no auge de sua suposta maturidade, parece não entender isso.
Como eu mencionei acima, os méritos de Armstrong e sua equipe são notáveis – a significativa mudança nos figurinos e o cuidado ao pentear o cabelo partem de uma jovem que quer ser admirada. Judy Davis e Sam Neill apresentam uma química hipnotizante e oferecem performances elogiáveis. Davis transmite vulnerabilidade e força através do olhar, provando ser uma atriz talentosíssima. As decisões equivocadas do roteiro e o vazio que os demais personagens passam fazem de “My Brilliant Carrer” um filme morno. Eu apreciei os bons momentos, todavia, eles acabam se dispersando no contexto de um projeto do qual, muito provavelmente, esquecerei em algumas horas.