Os personagens de “MASH” andam entre macas repletas de corpos; as salas de operação são como banhos de sangue. Eles têm que lidar com amputações e hemorragias severas. Ninguém ali está muito legal da cabeça. Altman nos apresenta o inferno e a dor em espaços vazios, onde tendemos a não olhar, mas lá estão.
“MASH” é um filme de guerra sem armas, nem combates. Ele se passa inteiramente em uma divisão de cirurgiões, que tentam disfarçar seu trabalho árduo com piadas e comportamentos absurdos. A narrativa não é convencional e segue uma série de cenas histericamente cômicas. Nesse sentido, a montagem é perfeita, pois entende a lógica do filme e confere uma enorme fluidez à trama.
Sim, as piadas são machistas, misóginas e preconceituosas, mas o roteiro é mágico.
A ofensividade delas é justificável perante o ambiente em que os personagens estão inseridos. A guerra é um grande absurdo por si, retira uma vasta camada de humanidade dos homens, que perdem boa parte do filtro e dizem literalmente o que vem à cabeça, com o simples intuito de amenizar o clima.
Mesmo ofensivas, as piadas são construídas com muita classe, não só pelo belo roteiro, mas pela grande direção de Altman, que com sua câmera eleva o timing cômico e principalmente pelas grandes atuações de Elliot Gould e Donald Sutherland.
Eles são genuinamente engraçados. A graça não vem das interpretações, está dentro de ambos, que não fazem esforço algum para encarnar Trapper John e Hawkeye Pierce.
Os personagens são muito seguros de si, suas falas são cheias de ironia. Eles não respeitam as autoridades e fazem o que querem.
Tínhamos tudo para odiá-los, mas isso nem passa por nossas cabeças. Aqueles são os heróis de “MASH”, gostamos da autoconfiança e do carisma, e sabemos o porquê deles agirem daquela forma.
Eles jogam golfe, ensinam um adolescente japonês a fazer Dry Martinis, dopam um general, tiram fotos dele com prostitutas e paqueram absolutamente todas as mulheres.
Estes são reflexos de homens que vivem a guerra, o tortuoso dia a dia e tentam se desconectar daquilo. O ambiente os transformou, alguns cuidados foram deixados de lado, mas no fundo, são homens tentando lidar com uma situação insuportável.
Parece triste e é, porém, “MASH” é uma obra prima da comicidade. Como disse, o roteiro é irônico e debochado, a direção é tecnicamente irretocável – Altman sabe exatamente quando deve extrair algo do rosto de um personagem e as atuações, principalmente da dupla principal, são dignas de aplausos.
Fora das salas de operações, os cirurgiões pintam e bordam. Esse contraste é importante, pois justifica suas ações.
Entre os coadjuvantes, destaco a enfermeira chefe, O’Houlihan e Frank Burns. Os dois destoam do resto do grupo, pois querem manter a ordem e o respeito ao código militar.
Podemos vê-los como pobres coitados, que sofrem nas mãos do resto, com destaque para a cena em que colocam um microfone embaixo de suas camas.
Como também podemos enxergá-los como pessoas que não sentiram o ambiente, logo, os mais desumanos ali. O respeito de O’Houlihan e Burns é com a farda e não com a guerra. Ambos não entendem as brincadeiras dos demais, pois não foram afetados pelo momento. Eles são estranhos.
A enfermeira chefe ainda possui mais destaque. Ela inicia como uma idealista radical e é de longe a que mais sofre com as avacalhações lideradas por Hawkeye e Trapper, chegando a ser exposta na frente de todos. O apelido de Hot Lips é aderido pela divisão inteira. Suas energias vão aos poucos indo embora, até que ela acaba adotando o estilo fanfarrão. Os protagonistas a sufocaram e acabaram a libertando. No fim, O’Houlihan está sem dúvida alguma mais “feliz” do que no início.
Outra coisa que Altman faz muito bem é criar um clima de camaradagem. Todos ali são amigos, todos passam pelo mesmo cotidiano sangrento e ninguém dá a mínima. Os diálogos enaltecem a amizade entre os colegas, que nunca abrem mão do deboche e da ironia.
Até mesmo os líderes parecem ter encontrado uma forma mais leve de aturar a guerra. O maior exemplo disso é a cena em que Hot Lips vai reclamar com seu chefe e ele está pelado na cama, com outra enfermeira, tomando um whisky.
Outro detalhe genial são os anúncios dos filmes que passam na divisão. São todos sobre guerras. Obras, que focam nesse sentimento ufanista, tão comum no povo americano. A graça vem do que estamos presenciando, não poderia ser mais diferente e satírico.
Há duas sequências que gostaria de citar aqui:
O suicídio de Painless é sensacional, não só pelo contraste entre a iminente morte do personagem e a animação daqueles que cantam, mas pela cerimônia em si, que possui uma seriedade impossível de ser levada a sério. O motivo do suicído, obviamente levanta dúvidas, mas o roteiro é cuidadoso e nos faz rir do absurdo.
O jogo de futebol americano é icônico. É ali que percebemos de vez que estamos do lado daqueles caras. Comemoramos quando o adversário é dopado sem nem pensar. Altman desperta o sádico adormecido dentro de nós.
Quando Hawkeye é liberado, ele olha para seus amigos, principalmente para Trapper, mas sai rapidamente, pois mesmo evitando a guerra ao máximo, sabia o que aquele ambiente representava.
Os créditos finais são fantásticos, assim como a música tema, que anuncia o tom irônico do filme.
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