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Martin é um jovem confuso, perturbado e incompreendido. Rejeitado pela família e obrigado a conviver com a solidão desde sempre, ele não sabe como agir perto das pessoas, teme o contato humano e nem entende o significado da palavra “vocação”. Empatia e diálogo são a base do amadurecimento de qualquer adolescente e, na falta de tais pilares, o protagonista decide se esconder e assumir definitivamente as sombras. Os vampiros são criaturas consideradas amaldiçoadas, melancólicas e perigosas. Martin sofreu tanto com o descaso alheio, que acredita piamente que é um vampiro. Essa convicção é um mecanismo de defesa que mascara sua imensa insegurança e o coloca numa posição em que não é necessário enfrentar desafios, afinal, ele não é um ser humano.

George A. Romero realiza uma espécie de “coming of age” sanguinolento e brutal que explora a dura realidade de jovens à beira da vida adulta, incapazes de se encontrar, de definir prioridades e de estabelecer qualquer tipo de relação. O silêncio, a voz taciturna e a expressão corporal que denota timidez e desconforto não são marcas de um vampiro, mas de alguém que, devido a falta de compaixão familiar, não consegue se comunicar. O cineasta, já na primeira cena, ressalta a meticulosidade de Martin. Os planos-detalhe da agulha e a escuridão do trem, que, por si, é um ambiente claustrofóbico, são definitivos. O protagonista não morde sua vítima, mas a seda, transa com ela e depois dá um jeito de se deliciar com seu sangue – propositalmente artificial. Em outra sequência, na qual ele invade uma residência, a montagem emula sua facilidade para enganar e despistar as vítimas. A obsessão doentia de Martin pelo ato sexual conversa com sua idade, a fase em que os hormônios ficam em êxtase. Todavia, em vez de agir como a maioria, ele só consegue “dormir” com alguém caso esta pessoa esteja inconsciente – as interações ardem mais que o sol.

Romero utiliza planos subjetivos e, por vezes, opta pela instabilidade da câmera, colocando o espectador em contato com a realidade distorcida do protagonista. Suas ânsias, apesar de serem traduzidas em crimes, fazem parte da natureza humana. Vampiros não enxergam seus reflexos no espelho e é exatamente isso que Martin quer; assumir uma identidade que preza pela impessoalidade. Ele decide passar uns tempos na casa de seu primo mais velho, um senhor fervorosamente religioso que não tem dúvidas de que o protagonista é a reencarnação de Nosferatu (ou algo assim).

A metalinguagem percorre a narrativa, principalmente quando Martin, no auge de sua ingenuidade, liga para um programa sensacionalista de rádio e conta a sua história. O locutor gosta do ibope e faz o possível para não rir do absurdo. O jovem, a fim de provar seu ponto, afirma que os filmes sobre vampiros são mentirosos, que a magia não é real e que o par romântico não existe. Ele é o vampiro da vida real. As vozes da sua cabeça nos levam a uma mudança na fotografia, que vai do colorido granulado para o preto e branco. Nessas sequências, é como se Martin realmente fosse o Conde Drácula. O contraste entre imaginação e realidade é muito bem trabalhado quando o primo enlouquecido chama um Padre para exorcizar o protagonista. Em preto e branco, vemos um ritual espetaculoso, com direito a ângulos holandeses; a cores, o que temos é a paranoia. Outro ponto que chega a ser cômico é o fato do tal primo encher a casa de cabeças de alho, cruzes, estacas e espelhos.

Martin começa a trabalhar como entregador e conhece Abbie, uma dona de casa deprimida que se encanta por sua timidez. A inserção dessa personagem é um dos grandes méritos do roteiro, que evita um olhar reducionista e condenatório em relação ao protagonista. Após o sexo – dessa vez, amoroso -, ele a encontra chorando e pergunta o que fez de errado, demonstrando uma preocupação comum a jovens gentis e sensíveis. No fundo, Martin gostaria que as coisas fossem assim, que pudesse abraçar alguém e tentar ajudá-la.

A neta do primo, cansada de viver naquele antro da loucura, se muda com o namorado, deixando o protagonista, por quem criou uma certa afeição, para trás.

-Não, você vai se esquecer de mim.

-Não, não vou. Por que acha isso?

-Porque está indo embora. As pessoas sempre vão embora para esquecer onde estavam.

Ele tem razão, talvez a escuridão seja a sua fiel companheira… e não podemos mentir, seu fim é digno de um vampiro.

John Amplas oferece uma performance complexa, que combina introspecção, fobia social e revolta com muita delicadeza.

Cru, original, violento e, em muitos níveis, relacionável, “Martin” é um grande filme.

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