Há uma cena em “Man On The Moon” em que uma personagem diz para Andy Kaufman que ele é uma pessoa complicada.
Sim, o protagonista é extremamente complicado, Milos Forman sabe disso e é exatamente por esse motivo que o filme é tão bom.
Logo na primeira cena, um dos princípios básicos de Andy é apresentado: sempre estar à frente do público. As vinhetas costumam seguir padrões básicos e o que temos aqui é uma bela introdução do que está por vir.
Eu tenho certeza que Andy Kaufman não foi o comediante mais engraçado de sua geração, no entanto, digo com a mesma convicção que foi o mais inquieto, interessante e surpreendente.
Ele é o tipo do artista que odeia atender pedidos. Em determinada cena, a audiência clama pela presença de um de seus personagens mais famosos e, em vez de agradá-los, o comediante decide desafiá-los, lendo “The Great Gatsby” na íntegra.
Esse exemplo é perfeito para mostrar que Kaufman não estava interessado apenas em risadas, mas em uma gama maior de sentimentos e que antes do desejo da audiência, vinha o seu. O que em outras sequências acaba se contradizendo, já que várias vezes, principalmente no início, o protagonista pede conselhos e os utiliza nos shows. Nesse sentido, a montagem é fundamental para expor a vontade que Kaufman tem em ter o espectador em suas mãos.
O protagonista ficou famoso pela criação de personagens com personalidades distintas.
Latka era um estrangeiro dócil; Tony Clifton, um cantor grosseiro e o próprio Andy Kaufman, que se tornou um wrestler preconceituoso.
O filme não teria o mesmo efeito sem a fabulosa interpretação de Jim Carrey.
Cada personagem tem particularidades bem expressivas. Suas transformações físicas e vocais são impressionantes. Seus olhos mexem de maneira específica, sua entonação muda constantemente, sua voz alcança extremos, assim como seus gestos, que denotam fragilidade e dominância. Essa é, sem dúvida alguma, uma interpretação estudada, que em nenhum momento soa calculada, porque o ator entendeu a essência do protagonista e se emocionou com sua história.
O documentário “Jim And Andy: The Great Beyond” mostra os bastidores da gravação do filme e como Jim Carrey se envolveu “até demais” com Andy Kaufman.
O ator também consegue a proeza de transformá-lo, simultaneamente, em um sujeito extremamente ingênuo e esperto.
Como disse, o protagonista gostava de gerar emoções poderosas no espectador. Tony Clifton não é um personagem agradável, muito pelo contrário, ele é desprezível e é exatamente esse o efeito que Kaufman queria causar. O mesmo vale para o wrestler machista e preconceituoso, que não faz nada além de desrespeitar multidões. As pessoas gostam de extremos, para a existência de um herói, precisa surgir um vilão e Kaufman não escolhia lados, apenas surpreendia e impactava as massas.
“Man On The Moon” respeita o seu protagonista. Há vários momentos em que ele ri histericamente de algo fora do convencional e entendemos o porquê daquela reação, graças a sensibilidade dos realizadores.
Outro ponto importante na carreira de Kaufman foi o seu envolvimento com grandes emissoras televisivas. Há um movimento de câmera muito elegante de Forman, em que ele apresenta o letreiro de Hollywood por trás – simbólico ao mostrar o deslocamento do comediante dentro da indústria. Kaufman gostava de experimentar e isso não era bem- visto por lá. O protagonista brinca com sua condição de estrela várias vezes e critica o culto das celebridades ao cobrar um dólar para tocarem em seu cisto.
Kaufman via a vida como uma grande ilusão e assim eram os seus “espetáculos”. O roteiro, sabendo dessa essência, cria conflitos, que chamam a atenção tanto dos espectadores no filme, quanto na vida real e depois os desconstrói, expondo a farsa. O protagonista era mestre nisso, o que acabou se tornando um problema, já que ninguém acreditava nele. Momentos sérios e tocantes iniciam com uma certa dúvida, nem seus amigos e familiares conseguiam distinguir o que era verdade e mentira.
Afinal de contas, quem era Andy Kaufman? Sabemos apenas que foi um homem apaixonado pelo que fazia. A verdade é que ele não conseguia separar muito bem o trabalho e a vida pessoal. Sua inquietude o tirou da realidade e o transportou para um mundo próprio. O que eu acho mais bonito são seus lapsos de humanidade: o carinho com a namorada, a felicidade ao realizar uma boa ação e o medo da morte.
Jim Carrey também sabe se desligar dos personagens para demonstrar um sorriso genuíno ou uma expressão de desesperança.
Sua deterioração física também é notável e a cena em que ele simplesmente aceita seu destino é dura. Durante os cento e vinte minutos confundimos Jim Carrey com Andy Kaufman e considerando a complexidade do comediante, há de se aplaudir sua performance, que sem dúvida alguma está entre as minhas favoritas de todos os tempos.
Amado ou odiado, Kaufman conseguiu o que queria. Ele teve suas fases, foi xingado, promoveu risadas e alegrou muita gente.
A sequência no Carneggie Hall é especial, pois expõe esse lado mais frágil e caloroso do protagonista, que sabia que não tinha muito tempo de vida.
O desfecho é um belíssimo tributo à sua memória. Ele morreu, mas o personagem segue vivo.
O elenco de apoio é fantástico:
Danny Devito, que trabalhou com o verdadeiro Andy Kaufman, está excelente como um empresário experiente. Assim como Edward Norton em “The People Vs. Larry Flynt”, o mais bonito em sua composição é o carinho e o entendimento que ele passa a ter com os anos de relacionamento.
Paul Giamatti e Courtney Love convencem plenamente como melhor amigo e namorada, respectivamente.
Vale ressaltar também a grande trilha sonora da banda R.E.M:
“Man On The Moon” e “The Great Beyond” – essa composta especialmente para o filme – prestam justas homenagens ao comediante.
“Man On The Moon” é um belo retrato de um homem complexo, que viveu sua arte ao máximo.
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