“L’enfant” é um duro retrato sobre jovens imaturos que ainda não estão preparados para assumir grandes responsabilidades.
Sônia volta animada do hospital. Ela teve um filho, e o pai, Bruno, não demonstra tanto entusiasmo. Ele vive de pequenos furtos e acredita que trabalhar é uma bobagem. Seu bebê está à sua frente, é um momento único, porém seu foco está em um possível “cliente” saindo de um restaurante.
O dinheiro está ligado à sobrevivência e é só nisso que Bruno pensa. O pouco que “ganha” é gasto em fliperamas ou luxos que não deveriam ser prioridade.
Diferente dele, Sônia abraça seu filho com força, mas é igualmente imatura e ingênua.
Dentro de uma trama movida por precariedades, os Dardenne encontram algo raro: um amor genuíno. Os dois se tocam, se agarram, brincam e riem juntos. Mestres do realismo, os diretores permitem que o espectador aprecie o romance, que é valorizado a partir de momentos íntimos, normalmente esquecidos. A economia de palavras é uma marca forte na carreira dos Dardenne. Às vezes não sabemos o que os personagens estão pensando, todavia, temos certeza de que é algo poderoso. Em vez de palavras, eles exploram as feições e reações dos personagens. Situações consideradas banais pela maioria, são fundamentais para fortificar a personalidade de Bruno. Molhar os tênis em uma poça de lama e chutar a parede talvez não seja a atitude mais poética da história, entretanto, se a analisarmos como um sintoma de sua imaturidade, a cena muda de figura, já que o protagonista é pai de um bebê e deveria ser um exemplo.
Sem grandes recursos e após ouvir uma ideia, Bruno decide vender o filho. Os Dardenne alongam essa sequência ao máximo e extraem do protagonista as suas maiores características: egoísmo, insensibilidade e impulsividade. Ele está a caminho do mercado negro e seu rosto denota uma incoerente passividade. No entanto, o mais absurdo é a forma tranquila e despretensiosa com que o protagonista diz para a sua namorada o que acabou de fazer: “Fazemos outro”. Sônia desmaia e passa a ignorá-lo rigorosamente. Bruno não entende, não consegue se colocar no lugar do outro e ainda acredita que fez o melhor para ambos. Ele acaba recuperando o bebê, em uma demonstração de medo e não de amor. A essa altura, duvidamos de qualquer sentimento do protagonista.
A partir daí, Bruno sai em uma jornada solitária de novos furtos, sobrevivência e melancolia. Os Dardenne percorrem o seu caminho. Ele não descansa, está sempre andando, só não sabemos para onde. Parado, o protagonista aparenta estar refletindo sobre algo, sua expressão é séria, criamos alguma expectativa, que é desfeita por Bruno através de mais um roubo. Ele não mede as suas atitudes, nada é tão sério que não possa ser realizado. E se um casaco está na promoção, o dinheiro deve ser gasto nele, não em mantimentos para o bebê.
Se sua vida não era confortável, pelo menos era recheada por um amor profundo, que foi jogado fora por uma tremenda falta de sensibilidade. A jornada solitária é justa e fundamental para o seu desenvolvimento. Não sabemos se o seu pedido de desculpas é genuíno ou um ato de desespero, então o correto é mantê-lo fora por alguns dias. Os ambientes ficam cada vez mais escuros – principalmente os internos – e a sobrevivência, o mote de sua vida, se torna incerta. Pessoas estranhas entram em seu caminho e os furtos passam a produzir grandes perseguições. Os Dardenne não desviam o foco da câmera e a tensão existe pela expectativa, aquilo que não vemos e pode surgir a qualquer instante. Invariavelmente, achamos que Bruno mudou, depois temos certeza de que ele não tem jeito. Seu olhar parece profundo, mas seu riso é juvenil e suas atitudes são imprevisíveis. O estilo documental dos diretores é primordial para o sucesso do filme. O mais impressionante é notar que, após sucessivos erros e demonstrações de um caráter duvidoso, não conseguimos odiar Bruno, pelo contrário, queremos o seu bem e sentimos pena dele em determinados momentos. A câmera dos Dardenne não julga, apenas segue.
No fim, o protagonista soa mais maduro e empático e entende que, acima dessa busca incessante por dinheiro, ele tinha algo que a maioria dos “afortunados” nunca chegaria perto. Sensíveis e realistas do jeito que são, os Dardenne realizam essa transição da maneira mais simples e bela possível. O último plano deixa o espectador com um gosto agridoce na boca, sem saber se chora ou se sorri.
A montagem de Marie-Helène Dozo é, novamente, espetacular. O estilo dos diretores casa perfeitamente com os seus cortes secos. Ela cria excelentes contrastes, sendo o principal a imaturidade juvenil X as obrigações da vida adulta.
Jérimie Renier oferece uma interpretação magnífica. Suas expressões faciais são riquíssimas, assim como suas reações e seus olhares. Os Dardenne sempre dão espaço para os seus atores e, durante os noventa minutos, tive certeza de que estava acompanhando a vida de um jovem falho, lidando com os próprios erros e aprendendo com eles.
“L’enfant” poderia facilmente estar no plural. A maior criança não é o bebê, mas o próprio Bruno. O filme levou a Palma de Ouro na edição de 2005 do Festival de Cannes e colocou de vez o nome dos irmãos Dardenne entre os principais diretores europeus.
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