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“Eu estava profundamente infeliz, mas nem me dava conta, porque estava feliz o tempo todo”. Eu tiro o chapéu para os filmes que conseguem me surpreender e “L.A. Story”, escrito pelo próprio Steve Martin, mesmo com seu tom bastante peculiar, funciona em diferentes níveis. A sátira/crítica ao estilo de vida de Los Angeles salta aos olhos do espectador, que é presenteado com sequências absurdas. O trânsito está selvagem, então Harris opta por um atalho pouco ortodoxo. Todos os motoristas carregam em seus porta-luvas uma arma, afinal, o tiroteio na rodovia é praticamente uma tradição na cidade. Antes de reservar uma mesa num restaurante badalado, o gerente precisa acompanhá-lo ao banco e verificar sua conta. “Não pode pedir o pato”.

E, claro, é proibido ir a pé a qualquer lugar. Um simples almoço é retratado pelo diretor Mick Jackson como uma panela de pressão. A inquietude da câmera, os cortes em profusão e o falatório desenfreado inserem o espectador no caos. A única que percebe a estranheza – nem o terremoto é capaz de interrompê-los – é Sara, uma jornalista inglesa por quem Harris se apaixona. 

O protagonista, um meteorologista, assim como a maior parte de Los Angeles, vive um relacionamento que varia entre o artificial e o enfadonho. Ariel está mais para uma amiga chata do que qualquer outra coisa e, ao se deparar com a forasteira, Harris fica encantado, o que é reforçado pela câmera lenta. Um “fato novo” no ambiente mais protocolar possível chama a atenção e Harris está disposto a provar que existe amor em Los Angeles, a capital dos estímulos inúteis. Acostumado a andar com pessoas imersas à cultura local, o protagonista se enrola ao tentar ser interessante diante de Sara – a cena na qual ele analisa uma enorme tela vermelha é genial. Em uma narrativa que contempla o lúdico e o bizarro, a fantasia é muito bem-vinda. A principal amiga e conselheira de Harris é uma enorme placa de trânsito, com quem ele se comunica e tira dúvidas. Jackson utiliza o potencial “fantástico” a favor, também, do romance. Algumas situações não funcionariam na maioria dos filmes, no entanto, aqui, com a inserção de certos elementos desde o início, tudo se encaixa lindamente.

A sequência em que Harris e Sara caminham por uma espécie de jardim avermelhado é de um lirismo impressionante. A cada passo que dão, as flores ganham em vida. O roteiro prepara suas armadilhas para uma eventual briga. Sara precisa acertar alguns detalhes com seu ex-marido, que ainda a deseja, e, nesse meio tempo, Harris conhece SanDeE, que é o arquétipo da jovem de Los Angeles – não consegue conversar sem saltitar e faz um curso de “modelo falante”. Os casais, por acaso, vão para o mesmo lugar e a montagem, com seu timing impecável, pontua as diferenças culturais. Um grande filme é aquele que não tem vergonha de admitir sua natureza e não tem medo de ir “longe demais”. Jackson e Martin discutem, a todo instante, a magia do amor, não as suas linhas tortas e melancólicas. A música da cantora Enya, a tempestade e o corte que simula, à distância, o toque das mãos servem a um romantismo que cabe neste universo. É bonito e tocante, justamente porque já embarcamos na ideia do filme e aceitamos seus “conceitos”. E, considerando a profissão de Harris, a sacada do roteiro fica ainda mais fascinante.

Steve Martin reafirma sua capacidade de conferir profundidade a personagens que poderiam ficar somente na esfera cômica. O humor quase sempre fica em primeiro plano e ele está lá para dar o seu show habitual. “L.A. Story” foi aclamado na época de seu lançamento, todavia, vem sendo, injustamente, esquecido.

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