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Justin Kemp é um marido carinhoso e atencioso. Prestes a se tornar pai, ele é apresentado como um exemplo a ser seguido por todos os homens. Em meio a esse novo período em sua vida, o protagonista é convocado para ser um dos jurados num caso de homicídio. Os advogados brigam pelos próprios egos, que se sobrepõem aos interesses dos seus clientes. A narrativa de “tribunal” é conhecida e poucos cineastas conseguem fugir da pacatez burocrática e verborrágica. Clint Eastwood é um deles. Assim que as peças são postas na mesa, Kemp muda de fisionomia, como se tivesse tomado um choque. Ele se lembra de uma noite na qual, voltando para casa após ter parado num bar, atropelou um cervo. Bem, a vítima não foi o grande animal com chifres, mas Kendall Carter, a moça cuja família está buscando justiça naquele tribunal. As sessões ganham um caráter de penitência e o protagonista aparenta estar cada vez mais emocionalmente sugado. O júri não é um pilar da democracia americana que deve prezar pela imparcialidade? E agora?

As testemunhas são divididas entre as que gostam dos holofotes ou querem demonstrar algum tipo de utilidade e as que balançam enquanto os advogados exploram as nuances do caso. Nada é conclusivo e o fato de James Sythe, namorado de Carter, ser considerado o único suspeito destaca a preguiça humana e o fascínio do sistema por cabeças “rolantes”. A câmera fixa em Kemp, ressaltando seu mal estar e a sua perspectiva. O roteiro garante ao espectador o panorama geral, o que enriquece alguns personagens, como, por exemplo, Faith Killebrew, a promotora. A princípio, ela parece ser uma predadora disposta a atacar seus oponentes; uma mulher que almeja cargos políticos e que não mede esforços para as suas ambições de poder. Na medida em que suas convicções se perdem nas águas turvas da lei, ela demonstra ter um compromisso genuíno com a verdade e realiza uma investigação particular. As evidências a impedirão de seguir em frente com o julgamento, colocando sua plataforma política em risco?

Os jurados querem apenas voltar para suas obrigações diárias e não têm intenção de “perder” tempo discutindo os detalhes do caso. Kemp, movido por culpa, é o único que se coloca à disposição para analisar as possibilidades. Os planos em que o vemos em ambientes escuros e aquele em que a persiana marca seu rosto salientam seu inferno interior. Ele cumpre o papel de ponderador e, em nenhum momento, chega perto de assumir a culpa. Kemp tenta convencer os demais de que as provas são demasiadamente frágeis para condenar Sythe, todavia, seus argumentos, por motivos óbvios, não saem da esfera primária. Quando Harold, um detetive aposentado, chega com uma planilha que pode complicá-lo, o protagonista dá um jeito de afastá-lo do júri.

Kemp teve problemas com bebida no passado, buscou ajuda, mudou de atitude, se casou e está em vias de construir uma família. Ele é a confirmação de que todo homem tem uma boa versão dentro de si. Seria justo interromper tal redenção e destruir um lar que batalhou bravamente para chegar a essa harmonia?Carter não foi, no mínimo, imprudente ao andar por uma estrada à noite?

Sythe, por mais defeitos que tenha, não é um assassino e não merece passar a vida na prisão. O advogado do protagonista é enfático em relação à sua pena: no mínimo, 30 anos. O roteiro de Jonathan A. Abrams atinge um nível de complexidade tão raro, que, ao final do filme, eu não conseguia realizar como de fato me sentia em relação a nenhum dos personagens. A escolha de Kemp de usar o benefício da dúvida para não se entregar o torna mais humano e relacionável ou mais egoísta e covarde? Killebrew é uma mulher determinada e atormentada pela culpa ou narcisista a ponto de não admitir nenhum tipo de “derrota”? O grande mérito do roteiro é justamente o de suscitar perguntas ingratas. A saída fácil colocaria “Juror #2” na prateleira modorrenta de “filmes de tribunal”.

A famosa estátua da “Senhora Justiça”, símbolo principal da obra, é reinterpretada por Eastwood. A venda não está ligada à imparcialidade, mas aos olhos que nada vêem. O tribunal conta a sua verdade particular; a verdade e a justiça não andam de mãos dadas – assim como os personagens, nada é tão simples. Nicholas Hoult tem os atributos ideais para ser “o bom rapaz”. Sua desconstrução é precisa e não atinge extremos; Kemp não é arrogante nem bobo. O ator compõe um retrato honesto da natureza humana. Toni Collette, mesmo na posição de coadjuvante, se impõe, ganha destaque e, guiada por um excelente roteiro, constrói uma personagem multifacetada.

“Juror #2” é o filho rebelde de “12 Angry Men”. Outra obra prima na carreira de Clint Eastwood.

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