As ruas vazias ecoam a desesperança do povo durante o período da grande depressão americana. Em busca de dinheiro, Chaney vaga sozinho pelas ruas e se depara com um ambiente pouco convidativo. As lutas clandestinas são bastante lucrativas e reúnem uma legião de espectadores, que, na maioria dos “eventos”, compõem o ringue.
Speed é um empresário conhecido por colecionar dívidas. Sem nenhum grande campeão à sua disposição, ele é surpreendido pelo protagonista, que ganha uma chance. Homem de poucas palavras, Chaney sempre vai direto ao ponto, o que é ressaltado pelo fato do primeiro combate ser resolvido com um único golpe e por seu figurino, que não sofre alterações. O contra-plongée é representativo: ele é talentosíssimo.
Speed, animado com as novas perspectivas, o leva para Nova Orleans, onde terá a oportunidade de enfrentar os lutadores mais cobiçados. O protagonista não pensa numa vida luxuosa, quer apenas ganhar o suficiente para seguir adiante, sem rumo. Gandil é o principal empresário e a sua feição ao ver Jim em ação denota tranquilidade e convicção na vitória. Speed, em contrapartida, vive numa agitação crônica, que salienta sua ganância e reputação pouco lisonjeira. Se pegar dinheiro emprestado equivale a uma sentença definitiva, podemos dizer que Speed já decorou as curvas do corredor da morte.
O contraste entre as personalidades não é um impeditivo para o estabelecimento da relação, afinal, ambos visam à mesma coisa. O rosto imutável de Chaney conversa com a fotografia em tons frios e com os espaços decadentes; em sua estreia, Walter Hill demonstrou uma imensa atenção a todos aspectos que abrangem a linguagem cinematográfica. Seu protagonista é o símbolo de uma geração errante e sem maiores perspectivas.
Enquanto luta, ele mal reage e se movimenta com uma naturalidade descomunal. Em meio à depressão, Hill afirma que o amor é a força capaz de romper uma barreira intransponível, já que, a única vez em que Chaney veste outra roupa, é quando leva Lucy para tomar café da manhã. Sua carcaça está ali, intacta, e sutilezas assim são essenciais na construção de um personagem que não está acostumado a abrir a boca. Outro detalhe interessante está na opção do protagonista por cuidar de um gato, que, além de ser um felino, não precisa de muito carinho e afeto para sobreviver…
A luta contra Jim não acontece num local improvisado, mas no Maracanã dos eventos clandestinos, o que é evidenciado pelo uso de plongées. Hill apresenta a brutalidade sem grandes truques, adotando uma abordagem “limpa”. Os cortes ajudam a dimensionar a ação, que não se limita aos oponentes do ringue.
Speed nunca esteve tão em alta e Chaney o ajuda na reparação da imagem de palhaço local. O protagonista é dono de um caráter incorruptível e não deixa ninguém passar a perna em seu parceiro, que faz questão de se enfiar em buracos. Ele é viciado em apostas; perder é um combustível para vencer.
Hill é fiel aos seus personagens, não força arcos redentores. Chaney não abandona seu nomadismo e se transforma num romântico incondicional; Speed não aprende a lição e continua pisando em falso. Eles fomentaram uma amizade, no entanto, nem isso dura na terra do desalento.
A última luta é a prova desse respeito e o cineasta atinge um nível fascinante de tensão, deixando o espectador na ponta da cadeira, inquieto com o silêncio quase que absoluto. Speed demora a enxergar o todo, a valorizar o que levou Chaney a premiá-lo com uma quantia considerável. Estamos diante de seres acostumados com a insignificância; os caminhos opostos não importam, somente a constatação de que a ajuda foi mútua.
Charles Bronson e James Coburn formam uma dupla formidável. O primeiro é cool e imponente sem qualquer esforço. Chaney esconde um passado e quanto menos soubermos sobre ele, melhor. Já o segundo, apesar da expressividade física, dá vida a um sujeito inseguro e dependente.
Violento e honesto, “Hard Times” foi o primeiro passo de Walter Hill.
