“Guess Who’s Coming To Dinner” foi um dos primeiros filmes a falar sobre casais inter-raciais. Diferentemente da maioria das obras recentes, que tratam sobre o mesmo tema, esta, realizada em 1967, é um verdadeiro deleite.
Joanna e John acabaram de voltar do Hawaii, onde se apaixonaram profundamente. A caminho da casa dos pais da moça, ele pergunta a ela se não é melhor avisá-los antes sobre sua cor, afinal, o choque será enorme. Esse é o primeiro mérito do roteiro: assumir que todos os envolvidos sabem exatamente o que aquele relacionamento significa e entendem o porquê de determinadas reações.
Dona de uma galeria de arte, Christina recebe a filha e se encanta com a sua aventura romântica no Hawaii, mas se espanta ao ver o tal príncipe encantado. Matt chega em casa e é avisado que há um médico em sua varanda, fazendo-o ficar preocupado e depois aliviado, ao perceber que o doutor é um “amigo” de sua filha. Sua entonação e feição mudam quando ele finalmente percebe o que estava acontecendo.
John é de fato um médico, de extremo renome por sinal. Um homem respeitoso, carinhoso e honesto, que chama os pais de sua amada para conversar, deixando claro que a única condição para a concretização do casamento era a aceitação de ambos, admitindo que não se tratava de uma situação totalmente simples.
Em contrapartida, Joanna, de apenas vinte e três anos (John tem trinta e sete), trata a situação de forma casual, pensando apenas nos preparativos para o casamento e para sua viagem. Ela esbanja ingenuidade e é de longe a personagem mais radiante do filme, se limitando, basicamente, a expor o quão apaixonada está e que qualquer reação contrária ao relacionamento seria absurda.
Conhecidos por serem liberais e por defenderem a comunidade afrodescendente, os pais de Joanna são pegos em uma enorme contradição, a princípio, rejeitando a união dos dois. Há uma grande distinção entre as mulheres e os homens. Christina rapidamente deixa qualquer preconceito ou medo de lado ao ver sua filha genuinamente apaixonada e o mais fascinante na caracterização de Hepburn é perceber que as emoções da filha refletem em seu rosto, a ponto dela descobrir coisas que Joanna não sabe e chorar pela tristeza que invadirá o coração da pobre coitada. Se a esposa é capaz de enxergar o romance e de sentir a paixão que os dois nutrem, Matt fecha os olhos, vislumbrando somente os prováveis problemas e preconceitos que eles sofreriam. Há algo verdadeiro e forte a sua frente, porém não importa, pelo menos não até ele se dar conta do principal valor da vida, o que a faz valer a pena.
Interessante também é a forma que a empregada – negra – da casa se dirige a John, o tratando com desprezo e indelicadeza. Os negros, em sua grande maioria, foram tão rebaixados, que ver um semelhante em um alto cargo e se casando com uma mulher branca, vira motivo de questionamentos e preocupação. Na cabeça de Tillie, o protagonista está ali para se aproveitar e tirar algum tipo de vantagem, sendo que ela nem o conhece.
A situação ganha contornos ainda mais interessantes quando a família de John, que também não conhece a futura esposa do filho, vai até Los Angeles para jantar na casa dos Drayton.
Como mencionei anteriormente, as mulheres agem de uma forma e os homens de outra. O choque de Mr. e Mrs. Prentice ao verem Joanna é idêntico, entretanto, o casal toma partidos distintos na medida em compreendem a situação. Assim como Matt, o pai de John enxerga apenas os “defeitos” e o sofrimento que passariam por assumirem esse relacionamento. Já a mãe, da mesma forma que Christina, nota um amor raro e profundo, cuja resistência resultaria em feridas de difícil cicatrização.
Em um dos melhores diálogos do filme, Mr. Prentice enfatiza todo o esforço que faz para criar, cuidar e pagar os estudos do filho, que é ainda mais enfático, afirmando que não deve nada ao pai, que cumpriu apenas com o seu dever e que o mesmo será feito caso ele construa uma família ao lado de Joanna. “Você se vê como um homem de cor e eu me vejo como um homem.”
Em uma outra sequência importantíssima, Mrs. Prentice diz para Matt que, ao envelhecerem, os homens parecem se esquecer do sentimento que os levou até este momento, o brilho nos olhos ao encontrar o amor de suas vidas. Com o seu jeito doce e calmo, ela ajuda Matt a olhar para a situação não pela ótica negativa, mas tudo que a envolvia. Nesse sentido, podemos concluir que a dificuldade que Matt tem em se lembrar de seu sorvete favorito é mais relevante do que imaginávamos.
O que nos leva ao belo e emocionante monólogo do pai de Joanna, que reafirma os perigos desse casamento, mas se desculpa, admitindo que acima de qualquer julgamento alheio, estava o amor.
“Velho? Sim. Gasto? Sem dúvida. Porém, posso lhes dizer que as recordações continuam todas aqui, nítidas, intactas e indestrutíveis.”, se refere Matt à Christina, deixando de lado sua neurose para expor a sensibilidade que ainda permeava o seu coração.
Vale ressaltar que tirando as sequências no aeroporto e outras corriqueiras, o filme se passa inteiramente dentro da casa dos Drayton, alimentando a tensão e a sensação de claustrofobia. Eles passeiam livremente pelo cenário, criando um efeito, simultaneamente, caótico e agradável, que pode remeter a peças de teatro.
A direção de Stanley Kramer é espetacular. Parte de sua abordagem se baseia em close ups e planos americanos, ressaltando as expressões dos personagens e o arco de cada um. Quando Tillie pressiona John, Kramer opta por um plano holandês para salientar o desconforto e o quão surpreso o protagonista estava. Os travellings são elegantes e a panorâmica utilizada no momento em que Christina se coloca contra o marido é veemente. Contudo, o que realmente coroa o trabalho de Kramer é o seu enquadramento segundos antes do monólogo de Matt e que se repete nos créditos: pela primeira vez, todos estavam juntos – união consolidada.
A montagem é extremamente efetiva, não só pelos cortes que potencializam a tensão, mas por criar diferentes núcleos dentro daquele ambiente. Temos as mulheres sensíveis, que entendem a profundidade da situação; os homens que se limitam a enxergar o óbvio; John, que circula no espaço escutando e respeitando as opiniões alheias, mas também pontuando, sempre de forma educada, suas convicções; Joanna e seu mundo perfeito, que ignora o inevitável, prezando pela pureza e por uma certa ingenuidade. Eles transitam entre os núcleos e o filme segue uma dinâmica instigante e interessante até o fim. Gostaria de exaltar um belíssimo raccord gráfico, realizado em um dos momentos no qual Christina chora, cortado para o farol do avião. Além de ser uma bela rima visual, conversa diretamente com o andamento da trama.
O elenco inteiro é formidável. Diria que os principais destaques são: Sidney Poitier, que controla muito bem sua pose elegante e educada, sem torná-la fajuta e que impressiona pelo carisma e pela força nas sequências mais dramáticas.
Katharine Hepburn, que conclui com o costumeiro primor a missão de dar vida a uma personagem que não nega o conflito interno, mas que opta pela empatia que sente pela filha, indo na contramão de seu marido, o que visivelmente a machuca bastante. Obviamente, não poderia deixar de dizer que ela está radiante e encantadora.
Spencer Tracy, cujo personagem acredita estar muito preocupado com a filha, quando na verdade, ignora o ponto primordial de toda a discussão. Seu timing cômico é impecável e sua voz imponente faz jus à sua posição, contrastando com sua afabilidade no desfecho.
“Guess Who’s Coming To Dinner” é uma obra prima, comandada por um grande diretor e um elenco estelar. Um filme que leva o espectador aos risos e ao choro na mesma intensidade.
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