“Paths Of Glory” é um filme triste e revelador sobre os verdadeiros interesses que permeiam as guerras.
“Anthill” é um território estratégico, ocupado pelos alemães; os Generais franceses, Broulard e Mireau, discutem a possibilidade de uma investida para retomá-lo. Inicialmente, o discurso é de suposta sensatez humana, no sentido de se condenar a investida, pois boa parte da artilharia está sem condições de lutar e os soldados franceses estão em clara desvantagem numérica. O lapso de humanidade logo se dissipa, assim que as altas patentes vislumbram a possibilidade de serem reconhecidas e agraciadas com condecorações. A ordem será mesmo a de atacar, em nome da pátria, não importando as circunstâncias e as consequências.
É um início preciso, apresentando o perfil dos senhores da guerra. A sala luxuosa simboliza o distanciamento dos generais em relação a quem, de fato, guerreia, se arrastando por trincheiras sujas de sangue. Os pseudo líderes, que deveriam zelar pelo bem dos soldados e da França, oferecem apenas uma desprezível demonstração de ganância e individualismo. Usando o patriotismo como desculpa, os generais fingem que se importam com o país, quando, na verdade, se escondem atrás de palavras de efeito para justificar a busca pessoal por poder e “glória”. Homens comuns se tornam meras peças, danos colaterais aceitáveis, em benefício de uma fictícia causa comum.
Interpretado por Kirk Douglas, o Coronel Dax é a única ponta de esperança no filme, um verdadeiro líder cujo principal intuito é cuidar de seus soldados. Ele sabe que “Anthill” é um ponto crucial, porém olha para as trincheiras e entende o propósito de Mireau. Dax apresenta argumentos lógicos e sensatos, que são taxados de “antipatrióticos” e covardes. Honesto e respeitoso, o Coronel percebe que não pode fazer muita coisa e organiza o ataque.
Os passeios pelas trincheiras orquestrados por Kubrick, além de elegantes, evidenciam o estado dos soldados. Suas feições são inexpressivas e seus olhares são vazios, eles parecem ter aceitado a posição de fantoches, o que fica ainda mais evidente em um diálogo no qual dois soldados dão suas mortes como certas e imaginam apenas a forma menos dolorosa de partir. Traumas são fraquezas, quem não apresentar um estado crônico de coragem deverá deixar o regimento, para não infectar os demais. A guerra não é sobre alcançar algo ou levar a sua pátria ao triunfo. Na visão dos generais, isso é apenas um idealismo juvenil. A verdadeira guerra é individual e as verdadeiras conquistas são as estrelas que cada um leva em seu peito.
A cena da batalha é uma das melhores que Kubrick dirigiu. Sua câmera acompanha Dax, enquanto caminha pela trincheira silenciosa e amontoada de homens que sabem que estão indo em direção ao suicídio. O design de som é notável, o barulho das bombas é ensurdecedor e precede a queda dos soldados. A direção de arte também merece elogios pelo grau de realismo do campo de batalha e da trincheira. Os detalhes são riquíssimos e deixam nítidos não só onde estamos, mas também o estágio em que os franceses se encontravam. Realizado em 1957, “Paths Of Glory’’ talvez seja o filme mais autêntico e intimista sobre uma guerra.
Como previsto, os soldados franceses nada conseguem e são bombardeados pelos alemães. Enfurecido, Mireau ordena que as tropas sigam avançando, a ponto de determinar que a artilharia francesa seja apontada para os seus próprios homens. Sentindo-se desrespeitado pela “desobediência” e precisando mostrar seu poder, o General leva o caso à Corte marcial, exigindo a morte de três soldados pelos crimes de covardia e desrespeito ao próprio país. O arco de Dax é interessante e Kirk Douglas é sutil. O Coronel começa como um homem obediente e, gradativamente, vai perdendo o respeito pelos seus superiores, a ponto de ser sarcástico e bem direto. O protagonista representa o espectador. Sua defesa é baseada na compaixão pelo próximo e seus argumentos são coesos. Ninguém foi covarde, muito pelo contrário, os soldados aceitaram uma missão suicida e foram até o limite. Kubrick trata Dax como um exemplo, uma raridade, um homem que quanto mais tenta e se esforça, mais se depara com uma verdade desoladora. A arquitetura do tribunal é muito parecida com a da sala do General, a correlação é muito nítida.
A Corte não estava interessada na justiça, mas em como daria a vitória para Mireau, o que acontece da forma mais suja possível. Em determinada cena, o General Broulard admite que as execuções eram desmedidas e o ataque a “Anthill” não foi bem calculado, no entanto, eram ações que fortaleceriam a imagem da França perante o mundo.
Kubrick escolhe bem os espaços. Enquanto os superiores dançam em uma festa de gala, os três soldados escolhidos esperam pelo fim em um quarto cuja iluminação é precária e surge apenas por uma fresta. Cada qual lida com a iminência da morte de uma maneira distinta, todas igualmente deprimentes. A caminhada até o ponto de execução parece infinita, são passos que machucam e torturam qualquer um que os assista.
Para Broulard, todos no exército são peças descartáveis e substituíveis. Quando Mireau sofre acusações gravíssimas de Dax, seus olhares se voltam para o Coronel, que diz absolutamente tudo que pensa sobre ele e sai da sala como um homem digno e profundamente humano.
O final é um dos mais belos que já assisti. Kubrick desperta sentimentos adormecidos dentro dos soldados com uma voz amedrontada e, por alguns minutos os vemos em paz.
A fotografia também deve ser enaltecida, utilizando a iluminação como um artifício que denota poder. Nos dormitórios, as luzes são precárias; já no palácio, as grandes janelas permitem que os raios solares penetrem os salões principais.
Kirk Douglas trabalha muito bem as fases de sua incredulidade, logo, seu último discurso é sincero e impactante. Adolphe Menjou também está excelente como Broulard, um sujeito cujo único interesse é consigo e que não mede esforços para obter poder e se livrar de acusações. O mesmo pode ser dito de George Macready, no papel de Mireau.
“Paths Of Glory” é uma obra prima atemporal.
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