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Andrew Largeman é um jovem adulto entorpecido, que nada sente, não reage como uma pessoa normal e detesta sua vida. Ator, ele vive em Los Angeles, mas só interpretou um jogador de futebol americano com problemas metais e atualmente trabalha em um restaurante vietnamita. Sua mãe falece, o que o obriga a retornar para New Jersey, sua cidade natal.

O protagonista sabe que chorar seria a coisa certa a se fazer em um funeral, mas não consegue. Ao reencontrar amigos do passado e ir a uma festa, Andrew simplesmente não sabe como agir, nem se expressar, a ponto de tomar uma droga e seguir paralisado. Seu esforço para sorrir é tanto, que chega a incomodar.

Seu pai é também o seu psiquiatra e, desde a infância, por motivos explorados pelo roteiro, o protagonista foi obrigado a tomar medicamentos fortíssimos. Ele não sabe direito quem é e se tem de fato algum problema. Em determinada cena, Andrew diz que decidiu ser ator pois sempre fingiu ser outra pessoa.

Em um consultório médico, o protagonista conhece Sam, moça de personalidade oposta à sua. Ela é extrovertida, emotiva, impulsiva, pura e “um pouco mentirosa”.

Andrew não gostaria de estar em New Jersey, no entanto, agora tinha um motivo para adiar seus compromissos pouco importantes. A presença de Sam desperta nele a vida que inexistiu por vinte e seis anos. O protagonista descobre que é capaz de sorrir, se estressar, se apaixonar e se impor.

“Garden State” tinha tudo para ser um amontoado de clichês, todavia, graças ao seu brilhante roteiro, que é fiel aos seus personagens e responsável por uma coleção incrível de coadjuvantes, o filme funciona como uma original comédia romântica e um estudo profundo sobre um ser perdido em seu infinito abismo.

Por que Sam se aproxima de Andrew? Ela é igualmente solitária, porém, diferentemente do protagonista, tem um lar e um núcleo familiar solidificado. As únicas memórias que o herói da história guarda são tristes ou de um passado irreal. Ele não tinha um lar, desconhecia a sensação de segurança ao encostar a cabeça no ombro de alguém. A questão principal não é estar acompanhado, mas ter noção de quem está ao seu lado, das emoções que essa pessoa evoca em você e da certeza de que viver vale a pena. A impressão inicial, é de que Andrew é um zumbi e o texto poderia optar por um arco óbvio, resultando numa mudança radical, o que, felizmente, não acontece. O protagonista adquire confiança e resgata sentimentos adormecidos em seu peito e, sim, se apaixona. Entretanto, em nenhum momento muda bruscamente de comportamento. Seu arco é minuciosamente trabalhado, suas conquistas são gradativas e até que suas amarras sejam significativamente desatadas, muitas sequências singelas e belas são apresentadas, impressionando pela genuinidade.

As cenas nas quais Andrew se senta ao lado de Sam em uma banheira e revela uma passagem de sua infância com sua mãe, resultando num abraço caloroso e aquela em que o protagonista diz: “Eu gosto de você. Tenho isso.”, são extraordinárias. As reações e os rostos denotam um profundo desejo de se envolver, a timidez inerente aos humanos e uma felicidade palpável. Comédias românticas não alcançam esse nível de maturidade e complexidade. Zach Braff, em seu primeiro filme, realizou algo diferente, que atravessa a barreira do “relacionável”, obrigando o espectador a olhar para si e repensar certas convicções.

Em um roteiro convencional, o protagonista provavelmente teria um momento de enfrentamento com o pai, despejando mágoas e raiva, em contrapartida, aqui, Andrew se esforça para se expor e não tenta ferir o pai, pelo contrário, explica sua situação atual – pela primeira vez enxergando e sentindo as coisas com clareza – e propõe uma trégua, o início de uma nova relação, sem remédios e controle excessivo.

Seu melhor amigo, Mark, é um coveiro acomodado que coleciona itens raros e ganha dinheiro realizando golpes em lojas de conveniência.

O outro antigo colega do protagonista, Jesse, ficou milionário após inventar um velcro que não faz barulho.

No clímax, a montagem enfatiza que por mais distintos que sejam, os personagens que cruzam o caminho de Andrew são igualmente infelizes ou “miseráveis” e que ele havia encontrado algo valioso.

O trabalho de direção de arte é fantástico. As casas definem delicadamente a personalidade de seus habitantes, expandindo a possibilidade de reflexões acerca de cada um.

Sam vive numa residência marcada por cores quentes e bugigangas peculiares, assim como ela. O rosa está muito presente em seu figurino, ressaltando o seu jeito doce, alegre e passional.

A casa de Mark é decadente e pequena, dominada por tons pastéis.

Já a de Andrew, é inteiramente branca, remetendo, instantaneamente, a um hospital. A prateleira repleta de remédios é bastante reveladora.

O momento em que veste um suéter idêntico ao papel de parede é simbólico, reforçando sua passividade e condição estática dentro da própria existência. Ainda sobre o seu figurino, é importante destacar a camisa vermelha que ele usa no desfecho – sentimentos intensos.

A fotografia opta por tons frios – azulados e acinzentados -, salientando o estado emocional dos personagens. “Garden State” também pode ser visto como uma obra sobre jovens com uma imensa dificuldade de se tornarem adultos e assumirem responsabilidades.

Zach Braff, responsável pelo roteiro, papel principal e pela direção, merece todos os elogios. Sua condução é fluida e segura e seu domínio perante a linguagem cinematográfica é notável. Na primeira festa, por exemplo, para enfatizar a morbidez de Andrew, ele coloca os demais personagens em outra frequência, variando entre câmera lenta e time lapse.

Os close ups no rosto do protagonista são uma tentativa de investigar e decifrar uma figura catatônica. A escolha por fechar o quadro no casal é repetida e serve para ressaltar a gradual proximidade entre os dois e o carinho que nutrem um pelo outro.

O primeiro encontro entre pai e filho é absolutamente frio, tanto nos diálogos, quanto na distância física entre eles. Por outro lado, na última conversa, Andrew se senta ao seu lado e coloca sua mão sobre o seu peito – gesto afetuoso.

O plano geral e o plongée utilizados na sequência da piscina, em que o protagonista é obrigado a admitir que não sabe nadar, representam um importante avanço na sua relação com Sam. Andrew se posiciona de um lado da piscina e seus amigos do outro. A princípio, ela fica no centro da imagem, mas segue seu amado, numa bela demonstração de cuidado e sensibilidade.

O humor surge de situações casuais, nunca de piadas forçadas. Quando Andrew vai ao hospital, por exemplo, Braff apresenta a parede do doutor com calma e é “obrigado” a mover sua câmera verticalmente até o teto, onde se situa seu último diploma.

Braff oferece uma performance espetacular. Seu olhar inexpressivo, dificuldade em agir naturalmente e tom de voz baixo são muito bem trabalhados. Os sorrisos genuínos são tímidos e sua humanidade aflora lentamente. Andrew deve ser um personagem imensamente pessoal para Braff. Sua composição e controle dentro de seu denso arco são especiais.

Natalie Portman encarna a “Manic Pixie Dream Girl” com o encanto que lhe é peculiar. Sam poderia facilmente ser uma moça intragável se não fosse pelo talento da atriz, que mescla todas as características da personagem com seu charme, tornando-a interessante, hipnotizante e única.

A vida é o que está diante de nós. Se queremos algo diferente, temos que ir atrás. Caso esse objetivo seja atingido, qual o sentido em jogar tudo fora? Valorize o que poucos têm. “Garden State” é uma obra prima do cinema independente americano.

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