“Falsa Loura” é uma espécie de conto trágico. As personagens, operárias, assumem um perigoso senso de inferioridade, sendo facilmente dominadas por homens e armadilhas travestidas de oportunidade.
Silmara é a Cinderela proletária. Suas experiências a deixaram esperta, mas a ingenuidade ainda é o seu aspecto mais notável. Por trás de uma casca de honestidade e grosseria, há uma jovem frágil e carinhosa que tenta, à sua maneira, garantir o bem estar das colegas. Ela se veste e anda como uma mulher determinada, mas investe em discussões fúteis, sendo incapaz de enxergar o óbvio: para viver dignamente, seus olhos precisam estar bem abertos. Silmara tem ambições baixas; sua felicidade está atrelada a festas e bailes – ou seja, a uma fuga da realidade. Seus sonhos envolvem cantores bregas e espaços oriundos de uma mente romântica, o que denota uma total descrença nos homens ao seu redor. A trajetória da protagonista a leva à conclusão de que os príncipes oníricos são, na verdade, monstros predadores. Nem mesmo os portos seguros são tão seguros assim.
Quando Silmara fica com o cantor Bruno, no clube, o verde do copo reflete no rosto dos dois, ressaltando sua sensação de ter adentrado um mundo mágico. Não há um desenvolvimento daquela relação, afinal, Bruno a enxerga como um objeto sexual, um brinquedo que pode reter com seu poderio financeiro. Na fábrica, as colegas não perguntam se o cantor foi educado ou simpático, assumindo que ele é, de fato, um príncipe encantado. São pequenas e orgânicas demonstrações que reforçam o fato dessas mulheres não se valorizarem – a melancolia é velada e corriqueira. A câmera de Reichenbach observa e sempre tem a capacidade de mostrar algo a mais para o espectador. A graça de seus filmes, como de costume, está ligada a uma breguice apaixonante. O que falar do clube Alvorada e do nome Ronaldo Luís? São detalhes que inserem o espectador naquela realidade. A caminhada até a precária casa, no subúrbio de São Paulo, marca a exploração do cotidiano e a dura vida da protagonista. Silmara cuida do pai, um paisagista que foi preso e que tem dificuldades em conseguir emprego. Se, no início, temos dúvidas sobre sua capacidade empática, basta ver suas interações com o pai para mudar de opinião.
Silmara tem um vislumbre do sonho, percebendo, no fim, que sua vida é um pesadelo. Reichenbach respeita a subjetividade da protagonista, retratando certos momentos com um ar idealizador. Nesse sentido, a trilha sonora, os planos abertos e as fusões suaves são essenciais. Um simples almoço ganha contornos publicitários e uma caminhada numa praia deserta se transforma em algo a mais. O ato final desperta impotência e desesperança sem estardalhaço. Talvez seja melhor fingir que está tudo bem. Talvez seja melhor sumir. Talvez nenhum lugar seja seguro. Neste universo, as mulheres sofrem em silêncio, com a consciência de que o pouco é muito e que o nada é aceitável. A consumação dos sonhos a coloca no patamar de “Falsa Loura”, não de princesa. Rosanne Mulholland está excelente. Ela combina as tendências artificiais do trabalho de Reichenbach com toques viscerais que fazem jus aos percalços de Silmara.
“Falsa Loura” foi o canto de cisne de um cineasta único na história do cinema nacional.