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Em 1996, Edward Norton espantou o mundo com sua performance em “Primal Fear”. No mesmo ano, ele estrelou um musical dirigido por Woody Allen. Digo isso, pois, desde a primeira cena, em que Holden, personagem interpretado por Norton, canta “Just You, Just Me” para Skylar Dandridge, sua futura esposa, me vi completamente encantado por “Everyone Says I Love You”.

A família Dandridge, pertencente à alta sociedade nova-iorquina, é enorme.

Bob, o patriarca, é um sujeito agradabilíssimo e está sempre de bom-humor, a não ser quando Scott, um de seus filhos, defende os ideais republicanos conservadores.

Steffi, assim como o marido, é uma democrata liberal, no entanto, exagera um pouco, a ponto de exigir que os presidiários tenham acesso à culinária europeia e de batalhar pela liberdade condicional de Charles Ferry.

O avô é uma figura, um arruaceiro que se nega a ficar parado em casa, sendo impedido apenas por Frieda, a empregada da família, que se orgulha de sua origem alemã.

Lane e Laura são adolescentes e estão apaixonadas pelo mesmo rapaz.

Todas as situações são narradas por D.J., que também faz percepções sobre a beleza das diferentes estações do ano em Nova Iorque. Perspicaz, ela é filha de Steffi e Joe, um escritor que vive em Paris.

Não existem rusgas, a relação entre os dois é de amizade e ele se dá muitíssimo bem com Bob. Interpretado por Woody Allen, Joe tem um problema crônico: não consegue encontrar a mulher certa.

D.J. tem acesso a conversas em um consultório de psicologia. Por acaso, enquanto passa férias com o pai em Veneza, se depara com Von, a mais sensível e interessante das pacientes. Ela conhece os seus pontos fracos e Joe os anota como se estivesse na escola.

A “corridinha” matinal é engraçadíssima – imaginem Woody Allen correndo de short e meia longa -, mas é a visita ao museu que, de fato, nos faz gargalhar. Sua fala sobre Tintoretto e suas pinceladas fortes é digna de um canastrão disposto a qualquer coisa para impressionar uma mulher.

D.J. perambula pelos cantos, marcando casamentos com gondoleiros e cantores de rap.

Voltando à Nova Iorque, o adorável e inofensivo Holden pede a mão de Skylar em casamento, todavia, ela engole o anel, meticulosamente colocado na sua sobremesa. Skylar tem dúvidas, gosta de Holden, mas sente falta de um “fator animalesco”. É aí que entra Charles Ferry, o delinquente de quinta categoria libertado por Steffi que abraça qualquer ser do sexo feminino como se fosse uma onça prestes a atacar uma zebra.

Ele vai direto ao ponto e conquista Skylar, que se arrepende assim que se vê no meio de um tiroteio com a polícia – comicamente retratado, obviamente.

Bob é quem fica mais arrasado com o cancelamento do casamento, chegando, inclusive, a cantar “I’m Through with Love”. “O que está cantando? Não está amando Holden, está?”, pergunta Steffi, atordoada. Essa sequência é o melhor exemplo do tipo de caos harmonioso e engraçado que Allen confecciona. Enquanto essa bomba é jogada e os pais discutem com Skylar, Laura chora por ter perdido o garoto para Lane e canta a mesma música que Bob – um símbolo do filme, praticamente todos desistem do amor por alguns segundos. Para completar, ao fundo, podemos ver D.J. e Scott jogando hóquei no meio da sala de estar. As paredes vermelhas reforçam esse afeto delicioso de se acompanhar.

Vocês devem estar se perguntando, e o musical? Allen é um admirador dos grandes clássicos e “Everyone Says I Love You” é a sua homenagem apaixonada a um gênero especial. Ao mesmo tempo em que seu filme divide semelhanças com “Top Hat”, por exemplo, ele é único à sua maneira.

As coreografias são elaboradas e as músicas são excelentes, no entanto, são performadas por atores sem experiência nessa esfera artística. A artificialidade natural aos musicais é preservada, todavia, diferentemente de quando assistimos Fred Astaire, os personagens aqui remetem a nós mesmos. Cantamos e desafinamos, eles também. Às vezes, dançamos por um lapso de felicidade, eles também. Somos desajeitados, eles também.

No enterro do avô, vários fantasmas se reúnem e cantam em nome da vida. Eu poderia falar novamente sobre a harmonia familiar, mas o que realmente chama a atenção nessa sequência é o uso de efeitos digitais, algo raro na carreira de Allen.

O cineasta estava numa onda nostálgica e romântica, não à toa, rodou o filme em três países diferentes e admirou a particularidade de cada cidade. Groucho Marx, seu ídolo, também é homenageado, com uma festa temática que precede a sequência mais icônica da obra. Steffi e Joe recordam os velhos tempos, riem, dançam e flutuam à beira do Rio Sena, em Paris.

O elenco está impecável e a quantidade de atores talentosos é impressionante. Edward Norton, Drew Barrymore, Alan Alda, Natasha Lyonne, Woody Allen, Julia Roberts, Goldie Hawn, Lukas Haas, Tim Roth e Natalie Portman encarnam a magia dos musicais maravilhosamente.

O amor é difícil para todos, já desistimos e choramos por ele várias vezes e, ainda assim, voltamos correndo. É a nossa sina, não há muito a se fazer.

“Everyone Says I Love You” é perfeito naquilo que se propõe. Uma obra prima que busco revisitar sempre que posso.

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