Down With Love

Chegamos a outra peça do jogo: Catcher Block, um jornalista mulherengo e competente, capaz de conseguir literalmente qualquer coisa. Ele apenas transa com mulheres, faz um esforço tremendo para guardar o nome delas e pretende estragar o possível sucesso de Barbara, que se torna real e põe fim aos seus dias de garanhão. Inteligente e com o ego ferido, Catcher desenvolve um plano a fim de desmascarar a protagonista e sair por cima.

Criando uma série de desencontros, ele muda de personalidade e passa a se chamar Zip, um astronauta doce, romântico e puritano que rapidamente amolece o coração de Barbara – vale ressaltar que a essa altura ela detestava Catcher, mas nunca o tinha visto pessoalmente.

A verdade é que no meio do sucesso estrondoso e da vontade de derrubar a pessoa que destruiu a sua imagem, os dois, silenciosamente, se apaixonam. Não na mesma sintonia ou ao mesmo tempo, isso tem que ser destacado. Acreditamos em tudo o que escrevemos ou queremos apenas passar a imagem de um radicalismo que, no fundo, não existe?

Lentamente, Barbara se encanta com o jeito delicado e sensível de Zip, que acredita que atos sexuais devem ser consumados somente após alguns encontros. Ela não quer se contradizer, não quer decepcionar milhares de mulheres, no entanto, sabe que não pode mentir para si e negar seus sentimentos.

Catcher se diverte como Zip e prepara um extenso material sobre como a responsável pelo tão aclamado Best Seller era na verdade uma hipócrita. Contudo, a situação ganha contornos cada vez mais interessantes, principalmente quando ele joga um balde de água fria na cabeça, como se estivesse tentando acordar e não se envolver demais.

Sabemos que em algum momento a farsa será exposta, entretanto, e aí entra o mérito do excelente roteiro, um turbilhão de reviravoltas toma conta do terceiro ato e, em vez de soarem baratas ou pretensiosas, apenas enriquecem o filme e o arco dos personagens.

Não direi o que acontece, porém Catcher precisava “disso” para finalmente se entregar e descobrir que não era um sedutor barato e machista.

“Down With Love” me pegou um pouco desprevenido. Entrei esperando uma comédia romântica agradável e fui surpreendido com um filme que tem algo a dizer, que usa os clichês do gênero a seu favor e que adota um tom “descaradamente farsante” sem o menor pudor.

A direção de arte é responsável por conceber um universo lúdico e colorido, dominado pelo rosa, usado para caracterizar Barbara, o que gera uma certa contradição: como uma mulher que escreve contra o amor gosta tanto da cor que melhor descreve esse sentimento?

O vermelho, na sala dos executivos e na de Catcher tem a conotação de domínio e sedução, exposto no comportamento do jornalista. A casa de Barbara e sua reação ao vê-la pela primeira vez conversam diretamente com a “farsa” que mencionei acima. A mansão é grandiosa, colorida, repleta de espaços abertos. Em contrapartida, a de Catcher, igualmente impressionante, denota impessoalidade e é marcada por tons frios.

Esse contraste é brilhantemente salientado através da montagem, que chama a atenção pelas rimas que cria entre planos e pelo impecável timing cômico. Destacaria duas sequências como exemplos desse formidável trabalho.

A primeira envolve a empolgação de Barbara ao descobrir que será a capa da revista Know. Corta e Catcher diz “No”, com ênfase e tranquilidade, deixando claro que não pretende dar qualquer tipo de publicidade ao livro da protagonista.

A segunda e mais genial do filme, precede justamente o encontro em que as máscaras caem. Enquanto Barbara escuta uma versão romântica de “Fly Me To The Moon” – cantada por uma mulher -, coloca um vestido colorido e dança alegremente, Catcher opta pela versão de Sinatra, muito mais sínica e galanteadora, e, claro, veste um tradicional terno preto.

O uso de Split Screen também é espetacular, iniciando com uma abordagem tradicional e tornando-se, ao longo da trama, mais inventiva.

O raio que os separa é um toque interessante que intensifica a rivalidade entre os dois e quando Catcher fica literalmente em cima de Barbara, realizando movimentos “conhecidos”, sabemos exatamente o que o diretor quer dizer.

Falando nele, o fraco Peyton Reed realmente surpreende pelo domínio que tem perante o seu filme. O tom escolhido por ele fica nítido desde o início e é bem específico. Sua direção é dinâmica e refrescante.

Seus movimentos de câmera são elegantes e a sua capacidade de quebrar nossa expectativa a partir deles merece elogios. Reed imprime um ritmo crescente e quando digo “farsante”, quero dizer que muito do que acontece aqui não tem nenhum compromisso com o realismo, justamente por “satirizar” um gênero que já é, por natureza, meio bobo. Os atores se comportam dessa forma e toda a equipe embarcou nessa jornada. A chuva torrencial e repentina, por exemplo, em um momento “triste”, não nos deixa cabisbaixos, muito pelo contrário, rimos de seu deboche, assim como na última cena.

Infelizmente, este parece ter sido um acidente em sua terrível carreira.

Sarah Paulson e David Hyde Pierce, que interpretam os amigos de Barbara e Catcher, estão excelentes. Ela é uma presença forte e ele é um completo estabanado sem qualquer tipo de personalidade.

Renée Zellweger faz da protagonista uma mulher meiga e surpreendente, que encanta o espectador.

Ewan McGregor é o único ator que consigo enxergar para esse papel. Sinceramente, poucos trabalhos de casting foram tão perfeitos. Catcher – outra grande sacada, que diabo de nome é esse? – é charmoso, inteligente, carismático e galanteador. McGregor está em sua zona de conforto e ele provou ter um imenso talento para o humor.

“Down With Love” merece uma visibilidade maior, é um filme surpreendentemente maravilhoso.