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Diana Scott se apresenta como uma jovem que gosta de quebrar regras, todavia, ao longo da trama, notamos que isso não é bem verdade. Ela é casada, mas se apaixona por Robert, um jornalista que também é comprometido. Há uma certa ingenuidade nas primeiras interações entre os dois, que falam sobre amor e felicidade com um ânimo comum aos jovens apaixonados. Eles se mudam e se estabelecem na nova residência. A montagem, a partir de cortes em sequência, evidencia a passagem do tempo, num belo exemplo de economia narrativa. Não vemos o que deve ter sido especial, pois não é isso que ditará a trajetória da protagonista.

Diana admira a maturidade de Robert. Estar perto dele durante uma entrevista com um escritor renomado significa muito – pela primeira vez, ela se sentia importante. Novamente casada, Diana parece mais desconfiada.

-Do que tem medo?

-Estamos tão felizes.

Esse simples diálogo sintetiza o arco da protagonista, que, graças a sua beleza singular, adentrou a alta sociedade britânica, conseguindo, inclusive, se estabelecer como atriz. Ela engravida, todavia, com medo de que o bebê atrapalhasse sua carreira, decide abortar. A que carreira Diana se refere? Seu alicerce principal é Robert, o único que realmente a ama e que enxerga a mulher, não a imagem idealizada. Miles é a personificação do descaso e do vazio que cercam uma geração imune a emoções. Quando a protagonista, de frente para ele, é vista em cima de uma mesa, através de um contra-plongée, temos certeza de que é aquele trajeto que ela vai trilhar.

Diana quer ser feliz e adorada, passa a não suportar a pacatez familiar e não entende que é em casa que teria o que desejava. Em determinado momento, a vemos andar impacientemente enquanto Robert trabalha. A câmera a acompanha e o marido tenta satisfazê-la. Cada vez mais egoísta, deslumbrada e deslumbrante, a protagonista se afasta da ideia de conforto, aderindo a uma existência de breves prazeres, festas e relações insignificantes. Imerso à escuridão, com a fumaça do cigarro em seu rosto, Robert tem noção do que está prestes a acontecer. Às vezes, Diana nem se sente à vontade nas farras descontroladas, entretanto, faz um esforço para se assemelhar aos novos pares. Ela gosta do holofote, quer ser vista e, no auge de sua ingenuidade, perde a doçura que a levou ao seu marido, optando pela total falta de individualidade e pela devassidão.

Seus amigos são pessoas apaixonadas por elas mesmas; seres que existem naquele universo deturpado e finito. Diana tem argumentos e sentimentos, mas se esconde na imagem da mulher perfeita, sem muito a dizer. Robert sabe bancar o cínico. “Eu não levo putas em táxis”. A casa que tanto amava vira uma ratoeira, afinal, não contemplava suas ambições animalescas e financeiras. Diana se transforma no tipo de mulher que torce pela solidão do ex-companheiro, que se diverte roubando comida num mercado e que evita qualquer compromisso. O matrimônio passa a significar a desistência da própria vida e, ao falar sobre um senso de eternidade, concluímos que estamos diante de uma figura repugnante, descolada da realidade e que, certamente, será infeliz.

Sem Robert, a protagonista perde sua ligação com seres humanos racionais. Seus “parceiros” são quase idênticos e a mudança é constante. Outro plano que define a obra em sua completude é aquele em que Diana está deitada na praia, cercada por vários homens – não vemos os rostos, não faz diferença. A Itália, com seus espaços abertos e naturais, destacados por John Schlesinger, é fundamental. A liberdade está ali e, eventualmente, deixará a protagonista enjoada, ansiando pelo retorno ao mundano.

A fim de salientar a solidão da personagem, o cineasta afasta a câmera. Em sequência, ela aceita o pedido de casamento de um príncipe italiano. Princesa e atriz, Diana passa a morar num palácio, uma ratoeira maior que a anterior. Tudo é grandioso, o que acentua sua melancolia. A mesa é enorme e ela janta sozinha, rodeada por empregados dispostos a atender seus pedidos. Ela perdeu a noção de timing, do que é aceitável e, no reencontro com Robert, aprende uma importante lição. O que sobrou? Os cartazes e as capas de revistas que anunciam a “mulher ideal”. Será mesmo?

Schlesinger abusa da elegância em seus enquadramentos e movimentos de câmera, indo ao encontro da alta (e frágil) sociedade britânica. Sua opção por Freeze Frames para destacar a protagonista em situações específicas se mostra certeira, além de funcionar como uma autêntica assinatura narrativa.

Dirk Bogarde é um dos grandes atores da história do cinema. Sua performance passa por um intenso controle emocional e um certo cinismo.

A escolha por Julie Christie para interpretar uma jovem que usa seu charme e sua beleza para escalar socialmente é um tanto óbvia – no bom sentido. Não à toa, ela foi premiada pela Academia. Seu papel demanda uma boa dose de malandragem, adquirida com o tempo. Seu poder de sedução cresce na medida em que Diana abandona sua essência e Christie é talentosa o suficiente para que nada fique fora de sintonia.

“Darling” é um grande filme, potencializado por uma grande atriz.

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