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Lançado em 1971, o livro “The Book of Daniel”, escrito por E. L. Doctorow, é baseado no famoso “caso Rosenberg”, no qual Julius e Ethel, acusados de espionagem e de terem passado informações sobre a bomba atômica aos soviéticos, foram sentenciados à pena capital, mortos na cadeira elétrica. O autor, a fim de fugir de um retrato biográfico, modificou o nome do casal e de seus filhos. Doze anos depois, Sidney Lumet resolveu adaptar o livro e, em algumas entrevistas, afirmou que seu filme não é sobre o “caso Rosenberg”, o que, muito provavelmente, frustrou o público. Se você estiver em busca de respostas, ficará frustrado. O foco de Lumet é a relação da família Isaacson (nome que receberam no livro) com a política socialista e o efeito que tais acontecimentos tiveram em seus filhos.

O cineasta abre a narrativa com um plano-detalhe dos olhos de Daniel, salientando o caráter brutal e duro do filme. No presente, vemos o protagonista, Susan, sua irmã, e seus pais adotivos. Cada um, à sua maneira, vive atormentado pelas incertezas do passado. De certa forma, carregar o sobrenome Isaacson é um fardo, já que, diante de tantas dúvidas e da educação que receberam, os dois se sentem obrigados a manter a chama revolucionária acesa. Susan parece perturbada; está sempre ativa nas ruas, combatendo algo que, às vezes, soa inconclusivo. As sequelas da tragédia são evidentes, não à toa, ela passou parte de sua breve vida num hospital psiquiátrico. Daniel, por outro lado, esconde seu tormento através do rancor e do pragmatismo. Phyillis, sua esposa, é solícita e fala sobre o futuro, um lugar que nunca passou pela mente do protagonista, que, apesar de já ser pai, age como o filho incompreendido.

Os flashbacks nos levam à década de 50, quando Paul e Rochelle eram ativos na defesa dos ideais soviéticos. Não há ódio, apenas a busca pelo o que consideram certo e justo. As passeatas, registradas por Lumet com um teor documental, ressaltam a magnitude dos movimentos socialistas nos Estados Unidos. As pessoas eram engajadas, movidas por princípios e contagiadas pela união dos aliados. O trabalho de fotografia, ao diferenciar as linhas temporais a partir de tonalidades opostas, é magistral. No passado, os tons quentes vão ao encontro da euforia política e da dinâmica familiar dos Isaacson; no presente, os tons frios revelam a melancolia que rege a vida daqueles jovens. A montagem, com suas transições abruptas, elabora paralelos entre os diferentes períodos. Em determinado momento, vemos Paul ensinando a Daniel a lógica capitalista nas propagandas. Lumet não retrata aquilo como uma doutrinação, mas uma interação de cunho lógico e que atrai o garoto. Selig Mindish, colega do casal, ao ser preso, os delata. Paul fica em silêncio e Rochelle o acompanha.

Os flashbacks conferem complexidade ao protagonista, que, diferentemente de sua irmã, tinha idade suficiente para observar e perceber o que estava acontecendo com seus pais. Ele viu a polícia revirando sua casa, leu as manchetes dos jornais, escutou ao rádio e foi obrigado a ficar numa espécie de orfanato. Experiências que moldam a personalidade de um jovem machucado, sem rumo. Seus olhos brilhavam ao se deparar com o otimismo de Paul. Daniel sempre cuidou de Susan; sempre fez questão de confortá-la. Quando o médico fala sobre sua doença, ele o questiona: “Ela está doente ou inconsolável?”

A grosseria do protagonista, direcionada à esposa, é o sintoma de uma vida desgraçada. Seu figurino desleixado e a barba cheia expõem seus dilemas internos. Daniel quer cuidar da irmã, mas sabe que o suicídio é praticamente inevitável; construiu uma família, mas não demonstra forças para erguê-la; busca respostas sobre o caso dos pais, mas bate com a cara na parede da inconclusão. Afinal, os Isaacsons foram vítimas das circunstâncias ou, de fato, eram espiões? Em tempos normais, uma evidência tão vazia seria suficiente para penalizá-los?

Um dos personagens centrais na história é Jacob Ascher, advogado de Paul e Rochelle. Além de assumir um caso ingrato, ele garantia bons tratos às crianças, que, por toda a polêmica, não eram aceitas em nenhuma família. O relato de sua esposa para Daniel é cheio de amargura, confirmando o que já imaginávamos: o ódio pelos Isaacsons era quase geral. Lumet disse que a cena das execuções é a que mais se aproxima de um retrato biográfico. Sua abordagem é crua e realista, mostrando ao espectador os preparativos e optando por planos abertos no momento final. A boca tampada é um detalhe poderoso. Mortos por se expressarem? Como mencionei acima, esse não é o interesse de Lumet. O cineasta investiga almas apodrecidas e questiona se é possível viver em paz depois de tudo isso. Esse é o objetivo de Daniel, que, no desfecho, mostra que está reencontrando sua verdade e a vontade de seguir em frente.

Em seu terceiro papel, Timothy Hutton apresenta uma maturidade que não faz jus à pouca idade que tinha. Seu rosto traz o fardo de um homem exausto e de uma existência penosa.

“Daniel” é um dos filmes mais subestimados da carreira de Sidney Lumet.

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