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Morto em 1938, Robert Johnson, segundo uma famosa lenda, conquistou seu talento vendendo a alma para o diabo. Ele foi o principal “blues man” de sua geração e Eugene Martone, um jovem educado em Julliard, com música clássica, quer seguir os seus passos. De acordo com os livros, Johnson compôs trinta músicas, mas deixou de gravar a última. O protagonista, na sua ânsia juvenil, vai atrás de Willie Brown, colega do falecido, que está “preso” em um asilo.

Willie é ranzinza e, a princípio, mente sobre sua identidade. Sua reação às palavras do garoto é autoexplicativa. Estamos diante de um senhor esquecido, que ama sua música e que faria de tudo para voltar às suas origens. A dupla, então, faz um acordo: se Eugene o ajudar na fuga, ele o ensinará a música perdida de Johnson.

“Crossroads” é um “road movie”, ou seja, está sempre em movimento e se vale das interações entre os personagens. De um lado, temos um jovem talentoso e ingênuo, que coleciona pôsteres, revistas e vinis de Blues, mas é demasiadamente polido e desconhece os reais contornos do gênero que deseja abraçar; do outro, um senhor de idade que sabe de tudo, porém está cercado por paredes em tons pastéis e enfermeiros.

O contraste de gerações e personalidades rende excelentes momentos. Willie é sacana e quando o dinheiro acaba, não perde a chance de provocar o parceiro: “você liga para sua mãe e coloca no cartão de crédito”. “Eu sou o blues man, ele é de Long Island”. Ralph Macchio, que dois anos antes tinha Mr. Miyagi como mentor, parte numa nova jornada de amadurecimento.

Durante o trajeto, rumo ao Mississipi, a inocência de Eugene é posta à prova diversas vezes. Esqueça o dinheiro, o jeito certo de se chegar ao destino é andando e pegando caronas. O protagonista não compreende a magia de caminhar pela Highway 61, ainda está preso aos livros e aos ensinamentos da escola de arte. Ele se depara com prostituição e é obrigado a roubar a carteira de um sujeito de má índole. Sua incredulidade diz muito sobre os seus valores e princípios; o Mississipi tem as suas regras particulares e isso talvez seja demais para um jovem nova-iorquino.

Aqui, brigas e confusões assumem um caráter educativo. O talento não é suficiente para prosperar no universo Blues, cujas particularidades envolvem mitos, capetas e a capacidade de suportar dores inesperadas. Entre tantas novidades, a maior é, sem dúvida alguma, a presença de Frances, por quem Eugene se apaixona. Não há despedida na estrada e quando ela decide seguir seu caminho, vemos um novo rapaz, um que não choraminga e que usa a dor da perda para enriquecer sua arte. O protagonista não perde sua essência, no entanto, ao lado de um senhor esperto e mulherengo, ganha a casca que lhe faltava. Como ele sai das maiores enrascadas? Com sua música, divertindo um público exigente e disposto a apagar os invasores.

Willie também fez um pacto com o diabo, só que, diferentemente de Johnson, nunca atingiu o estrelato. Sua jornada é pessoal; ele quer encontrar o diabo e desfazer o acordo. Quando chegam na encruzilhada, Eugene, que não acredita nesse “folclore”, coloca sua alma à disposição num duelo contra o guitarrista do inferno, interpretado por Steve Vai. A luz vermelha, os rostos sinistros e as roupas pretas intimidam até os mais corajosos.

Esse é o teste final, a chance do protagonista provar que não é mais o fã assustado e ingênuo. Não deixa de ser também o embate entre bem e mal; pureza e malícia. Amadurecer não significa se dissociar de sua verdade e Eugene sempre será um garoto nobre. O contra-plongée evidencia sua confiança e o duelo é um deleite para os fãs do virtuosismo musical.

Ele talvez não seja o próximo Robert Johnson, todavia, não precisa mais de um tutor, está pronto para conhecer as estranhas curvas americanas.

A direção de arte acerta em cheio na caracterização dos ambientes. Nova Iorque, com seus prédios e táxis, não poderia ser mais diferente do Mississipi, famoso por espaços abertos – destacados a partir de belos planos gerais -, bares que carregam uma forte marca cultural, celeiros e hotéis pintados de bege.

Joe Seneca encontra o equilíbrio entre o humor e o tormento de um homem sem alma. Willie é duro com seu pupilo e mantém sua moral baixa sabendo que a soberba representa a falência de qualquer “blues man”.

A carreira de Ralph Macchio é, no mínimo, curiosa. São raros os casos de atores que regrediram com o tempo. Ânimo e insegurança caminham lado a lado em sua composição e é incrível perceber que, no processo de amadurecimento, ele não abandona sua personalidade, adicionando novas camadas com cuidado.

“Crossroads” é mais uma prova definitiva de que Walter Hill era um cineasta apaixonado pela boa música.

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