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A primeira cena de “Coming Home” se passa numa sala rodeada de veteranos da Guerra do Vietnam. “Sim, eu voltaria. Fui com um propósito”, diz um deles. A verdade por trás de uma afirmação dessas é simples e desoladora: esses homens precisam justificar seus traumas, não suportam o vazio que ocupa suas existências. A movimentação de câmera dá um aspecto cru ao momento. O quadro fecha em Luke, cabisbaixo e pensativo.

Bob corre pelo quartel, animado com a oportunidade de representar seu país na Guerra. A montagem intercala seus passos com imagens de veteranos paralíticos e brutalmente feridos em uma base militar.

Sally, sua esposa, não gosta da ideia, mas aceita, afinal, segundo Bob, “não há nada a se fazer na Califórnia”. Ele acredita nas instituições americanas, no amor pela pátria e quer se tornar um herói.

O Capitão vai então para a Guerra, deixando Sally sozinha. Um dos principais pontos abordados pelo roteiro, é o papel da mulher na Guerra. Seus maridos partem por um “bem maior” e clamam por paciência. Bob não quer que ela trabalhe, o que é, no mínimo, egoísta. A fim de espairecer e organizar uma nova rotina, Sally se voluntaria para cuidar dos veteranos. Os médicos e enfermeiros não demonstram o mínimo de empatia, tratando os pobres coitados com absoluto descaso.

Cada um, à sua maneira, guarda sequelas eternas, físicas e emocionais.

Hal Ashby nos convida ao inferno, que não poderia ser mais deprimente e assustador.

Luke pede para tomar banho, mas é ignorado. Ele deveria estar na sua plenitude física, porém está preso a uma cama e a pensamentos horríveis. Sally estudou na mesma escola de Luke, conhecido, naqueles tempos, por sua vaidade. Ele é um produto da Guerra; um jovem com um futuro promissor, seduzido por um discurso mentiroso. O Governo não os prepara para uma reintegração na sociedade e não desenvolve qualquer tipo de programa. Eles são simplesmente jogados às multidões, atrofiados e em frangalhos.

Na busca por medalhas, esses homens perderam suas verdades, a vontade de viver e a alegria de acreditar em dias melhores. Sally conversa com Luke, não o trata como um ser digno de pena ou uma figura monstruosa. Gradativamente, ele recupera o senso de humor e o desejo de evoluir. Há tempos alguém não o convidava para jantar e a sensação é revigorante. Diferentemente de suas colegas, frias e fúteis, Sally tem interesse em compreender a mente dos veteranos. De repente, Luke se ajeita sozinho na cadeira de rodas, veste roupas mais confortáveis e respira o ar fresco. Ela o libertou, o fez acreditar em si e na possibilidade de conviver com fantasmas, sem que estes o derrubem.

Um simples jogo de basquete, por exemplo, se transforma em algo divertidíssimo, graças ao timing da montagem, a escolha musical e o espaço aberto, que se contrapõe ao hospital fúnebre.

A vestimenta não mente, Luke tem características hippies, principalmente no modo espirituoso que encara a vida. Sally estava precisando disso, de um companheiro à altura de seu marido – não poderiam ser mais distintos. Eles se apaixonam e vivem um romance lindamente retratado por Ashby, enquanto esperam pelo retorno de Bob. Existe um acordo e Luke não se opõe às regras, com a condição de manter a amizade com a protagonista, sua salvadora.

A única cena de sexo é, ao mesmo tempo, íntima, sensível e sensual. Os corpos se misturam de uma maneira carinhosa e fluida, e a abordagem do cineasta, que opta por fechar o quadro, mostrando, inclusive, a enorme cicatriz nas costas de Luke, ratifica a química entre o casal. Isso é refletido, também, no figurino de Sally, que passa a “imitar” o estilo do parceiro. Roupas leves e a flor no cabelo, alterado para a sua versão natural, sem alisamento, vão ao encontro do belo plano no qual eles se abraçam na cadeira de rodas, de frente para o mar.

No decorrer da trama, a protagonista faz uma breve visita à Bob, em Hong Kong, àquela altura, já transtornado com o horror da Guerra, ainda que silenciosamente. Seus trejeitos denotam ansiedade e uma considerável distância em relação ao que julgava ser fundamental. Ele não sabe porque está lá, nem qual é a motivação dos Estados Unidos, apenas mata.

Bob finalmente retorna e, como mencionei acima, as coisas voltam ao “normal”. Sally não se sente obrigada, ama seu marido e sabe que largá-lo naquela situação seria uma tremenda covardia. A princípio, Bob parece bem, todavia, não demora para explodir por um motivo banal. Ele e vários oficiais ficam completamente bêbados e adotam um comportamento animalesco, o que é salientado pelo estado caótico da casa após uma “pequena reunião”.

Em um ato de resistência, Luke se acorrenta junto às grades da sede militar. O roteiro usa esse protesto para amarrar as pontas, fazendo com que Bob descubra o caso. Quando os dois se encontram, Ashby utiliza um plongée para deixar Luke numa posição de perigo, levando o espectador a temer por seu futuro. Depois que o Capitão deixa o seu recado, o diretor volta a um plano conjunto, aliviando a tensão.

“Eu não sou o inimigo”. “Você não quer matar ninguém aqui. Já tem fantasmas suficientes para carregar”. Luke desarma Bob, que só queria ser um herói…

Ele é condecorado e atinge a patente de Comandante, no entanto, os tons frios e o seu rosto não mentem. Bruce Dern expressa uma tortuosa sensação de desespero e vazio somente com o olhar. Todos os arcos são intensos, porém o seu é o que permite transições mais extremas.

O desfecho é justo com a construção dos personagens. A montagem relaciona o trio de uma forma orgânica e poderosa – a fala de um ressoa na ação do outro, e assim por diante.

A seleção musical é excelente e enfatiza a força da contracultura naquele período. Dito isso, Ashby exagera um pouco e acaba não dando respiros a certas sequências que se sairiam melhor por conta própria.

Jane Fonda e Jon Voight oferecem performances extraordinárias, não à toa, foram premiados pela Academia. O nervosismo que ela demonstra no primeiro jantar é palpável – o detalhe da lareira humaniza a personagem e a atriz faz tudo naturalmente. Por outro lado, a reação dele ao ser informado de que Sally irá para Hong Kong equilibra ciúme e empatia, perfeitamente. Voight respira, coça o nariz e deseja boa viagem.

“Coming Home” foi um dos maiores sucessos da carreira de Hal Ashby e é um dos melhores filmes anti-guerra já feitos. 

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