“Cat On A Hot Tin Roof” é um filme hipnótico, carregado por performances soberbas e um texto fortíssimo.
Brick foi obrigado a se aposentar precocemente do futebol americano e, desde então, não faz nada além de beber. Ele trata sua esposa, Maggie, com absoluto desprezo. Pelo seu forte temperamento e pela crueza da obra, demoramos a entender quem ela verdadeiramente é. No fundo, Maggie é apenas uma mulher solitária, que ama e vive com um homem que a ignora. Acima de qualquer “interesse a mais”, existe uma paixão genuína e melancólica. A maior qualidade do roteiro é suscitar rapidamente o interesse do espectador, que suspeita de algo, porém não faz a menor ideia do porquê as coisas são como são. “Arrume um amante”. O que Maggie fez? Por que ela aceita esse tratamento? Quem é Skipper?
Tudo que Brick não quer é sair de seu quarto e abandonar suas garrafas de whiskey, no entanto, é aniversário de seu pai, apelidado de Big Daddy, dono de uma fortuna inesgotável. Gooper, irmão do protagonista, juntamente com sua esposa, Mae, bajula o pai de todas as maneiras. Seus filhos, inclusive, parecem ter sido concebidos com o intuito de fomentar um domínio perpétuo sobre as terras de Big Daddy. Maggie sempre foi pobre e demonstra um interesse natural na herança do sogro, potencializado pela descarada ganância de Mae e Gooper. Ela não deseja o mal do pai de Brick, pelo contrário, se sente prestigiada ao seu lado. A grande questão é que Big Daddy acredita que está curado de um câncer, quando, na verdade, seu médico mentiu, a fim de deixá-lo viver seus últimos dias em paz.
Ele é uma figura imponente e poderosa; direta e recorrentemente indelicada. Seus filhos e sua esposa não são pessoas felizes, nem mentalmente saudáveis. Brick se recusa a falar com o pai, destrata a esposa e bebe como um animal. A verdade é que o protagonista não tem nada contra ninguém, a não ser ele mesmo. Ele chora por não ter alcançado o que almejava e se culpa pela morte de seu grande amigo, Skipper, cuja relação não é inteiramente esclarecida. Não enxerga qualquer propósito para seguir adiante, se odeia e faz questão de afastar qualquer pessoa que se aproxime ou demonstra carinho. Brick quer se destruir, se matar antes que o amanhã chegue e tenha que olhar para o seu rosto desprezível. Os dias passam e as garrafas são os únicos objetos que o tornam, aos seus olhos, aturável.
Gooper é uma versão “menos qualificada” de Big Daddy. Os filhos e a mudança para Memphis visavam, exclusivamente, a uma aproximação com o pai, que lhe deixaria a maior parte da herança.
Em determinada cena, Big Momma diz que sua família nunca foi feliz e que a informação mentirosa de que seu marido estava saudável a deu esperança por dias melhores.
Por que essas pessoas são assim? É da natureza delas? Não. Se Big Daddy estivesse mais preocupado em conversar com Brick, em vez de aumentar sua fortuna, ele provavelmente seria um jovem bem resolvido com seus traumas. Se não enfatizasse diariamente que seu império era o seu o grande legado, Gooper não seria tão ganancioso e egoísta. Se gastasse menos em joias e raridades e investisse mais em gestos afetuosos, Big Momma seria uma mulher alegre.
Big Daddy comprou seus familiares, confundiu conforto e riqueza com amor e os transformou em seres diferentes, porém igualmente vazios e atormentados. À beira do fim, seus filhos não demonstram qualquer preocupação – um por estar completamente imerso num universo paralelo e o outro por desejar sua morte – e sua esposa, apesar de preparar uma festa e tentar animá-lo, é rigorosamente ignorada.
Big Daddy acredita que vivemos no sistema da falsidade. A verdade se baseia em quatro mandamentos: pagar contas, sonhos que não se realizam, fazer amor com a mulher que não ama mais e falta de reconhecimento. Frases assim e outras, que saem com uma naturalidade assustadora, provam que não podemos culpar Gooper, muito menos Brick. São vítimas de um educador que enxerga na farsa o único meio de sobreviver, na quantidade de terras e no tamanho de sua mansão, um amor mais do que suficiente. A princípio, Brick o evita, contudo, acaba sendo obrigado a falar tudo o que estava engasgado, resultando em sequências poderosíssimas, baseadas estritamente em diálogos. Quando o patriarca finalmente descobre que estava de fato prestes a morrer, se fragiliza. Brick o faz relembrar de sua relação com seu pai, um vagabundo, praticamente um mendigo. Segundo Big Daddy, ele morreu ao seu lado, sorrindo, e admite, após demonstrar desprezo por sua falta de posses, que o amava profundamente. Nesse momento, o protagonista percebe que, por trás de toda a pose, tinha um pai e, ainda que um tanto tarde, também o amava. Big Daddy demora a entender o óbvio, mas acaba percebendo que foi só um provedor, não a figura paterna que os filhos precisavam. A cena poderia soar forçada, caso o roteiro não fosse tão brilhante. A impressão inicial era de que todos os personagens, silenciosamente, se odiavam. Lentamente, essa ideia é desconstruída, dando espaço a sentimentos negados por muito tempo.
Brick não se detestava mais, encontrou a pessoa que buscou a vida inteira e estava disposto a virar a página, deixando de lado qualquer mágoa com Maggie, a amando da forma que aprendeu tardiamente.
O roteiro é afiado a ponto de tornar uma adaptação de uma peça de teatro tão intensa e angustiante quanto qualquer filme de ação ou suspense. As longas sequências fomentam a personalidade dos personagens, os principais temas da obra e revelam mistérios do passado.
Obviamente, nada disso seria possível sem as memoráveis interpretações.
Burl Ives oferece uma performance complexa, tendo que se impor física e vocalmente, ao mesmo tempo em que precisa demonstrar uma extrema fragilidade pela doença que o acomete e pelo medo de morrer. A iminência do fim é palpável em seu olhar, assim como a percepção de que errou como pai.
Elizabeth Taylor caminha numa linha similar, mostrando-se, simultaneamente, uma figura de personalidade forte e uma mulher frágil, apaixonada por alguém que a despreza. Sua personagem é fascinante de se decifrar, justamente por demorarmos a entender suas reais intenções.
Paul Newman era fenomenal. Sua interpretação é absolutamente irretocável, repleta de camadas, variando entre vulnerabilidade, solidão, dor e rancor. Desde a primeira cena, antes mesmo de abrir a boca, notamos que Brick é um sujeito atormentado pelo passado. Sua performance corporal é impressionante, iniciando de forma minimalista e distante, partindo para gestos e uma entonação vocal mais exaltados no decorrer da trama. Seu arco é muito bem definido, mudamos de opinião em relação ao protagonista algumas vezes e o desfecho é a prova de que Newman era dono de uma rara versatilidade.
O diretor Richard Brooks, inteligentemente, não chama a atenção para si, deixando o show para os atores, que se movimentam livremente pelos cenários, como em uma peça teatral. O que pode parecer um improviso, foi meticulosamente ensaiado – a cena em que Brick anda sem parar, enquanto conversa com o pai, que ainda não sabe que está prestes a morrer, é um bom exemplo. Brooks cria um distanciamento entre os personagens através de suas posições no quadro. Brick e Maggie aparecem, invariavelmente, de costas, um para o outro.
O contraste dentro da mansão – paredes cinzas e objetos luxuosos – é importante na caracterização do patriarca da família. Dito isso, a direção de arte e a fotografia não são pontos chave. A trilha sonora jazzística é bastante elegante, combinando com a abordagem dinâmica de Brooks.
Há quem diga que o texto tem os seus furos, o que é uma grande besteira, já que a manutenção de alguns “segredos”, além de tornar a experiência do espectador mais rica e especulativa, reforça um dos grandes intuitos da obra: deixar certos traumas para trás, olhar para frente.
“Cat On A Hot Tin Roof” é belo, honesto e visceral. Um filme que entende perfeitamente a relevância de amor e carinho na vida e na formação dos seres humanos.
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