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“Busting” é uma comédia ácida que denuncia a corrupção no Departamento Policial de Los Angeles, envolvido com os criminosos mais poderosos da cidade. No centro da trama, estão Michael Keneely e Patrick Farrel, provavelmente os únicos que tentam fazer a coisa certa. Correr na direção contrária requer métodos pouco ortodoxos. Eles não estão nem aí para o que o patrão tem a dizer, sabem que não devem confiar em ninguém e que não podem se dar ao luxo de descansar.

A dupla invade um consultório odontológico e ignora a paciente com a boca imóvel.

-Não vê que estou com uma paciente?

-Você quer chiclete?

-Tem um mandato?

-Eu não e você?

O sarcasmo, marca do excelente roteiro, reforça a absoluta descrença de Keneely e Farrel no meio em que trabalham. A sujeira os consumiu a ponto da ironia refletir o estado natural dos policiais. Eles gostam da ação, de flagrar criminosos e colocam alguns atrás das grades, todavia, algumas horas depois, os mesmos são soltos por falta de evidências ou pelo pagamento da fiança. Os protagonistas se esforçam em vão. Ninguém está interessado em suas investigações que, na verdade, representam uma ameaça para o inútil Departamento de Combate ao Vício.

Agir corretamente tem o efeito de contar uma piada, ou seja, Keneely e Farrel são vistos como palhaços. Segundo a hierarquia, eles deveriam obedecer às ordens dos abutres, mas aprenderam a agir por conta própria, o que nem sempre é sinônimo de discrição. Em uma longa sequência, a dupla persegue alguns capangas de Rizzo, o homem que movimenta o tráfico de drogas, até um supermercado, onde acontece um intenso tiroteio. Os travellings de Peter Hyams, estreante na direção, são elaborados e, auxiliados por uma montagem eficiente, conferem um frenesi total. Sua câmera, ao mesmo tempo em que é elegante, captura a estética crua dos filmes da Nova Hollywood. No clímax, ele organiza uma perseguição de carro que está no nível daquelas dirigidas por William Friedkin, impressionando pela nitidez da ação e pelo caos.

Quando entra num banheiro público, Keneely olha para o espelho e diz para o seu reflexo: “olá, idiota”. A sensação de impotência é vencida pelo prazer de (tentar) deter criminosos. A dupla se entende no sarcasmo, na sede por justiça e nos valores que carregam. Todos os espaços são opressivos; as ruas escuras e vazias reforçam a ideia de desordem e de “terra de ninguém”; os ambientes internos, por vezes, são engolidos por um vermelho intoxicante. A cada encontro com Rizzo, a impressão é de que nada acontecerá. Ele conhece o Departamento, suborna os manda-chuvas e se sente confortável com as ameaças de Keneely e Farrel. “Esse gorducho está muito confiante. Ele não é Fred Astaire. Não tem tanta habilidade”.

E a vida fora das ruas? Sabemos apenas que Keneely dorme num sofá-cama e que ambos não constituíram famílias. O trabalho disfarça o vazio, entretanto, também é movido pelo vazio de constatar que está tudo do avesso, fora do lugar. O roteiro é brilhante ao tornar os protagonistas cientes do absurdo. É graças a esse detalhe que “Busting” é uma maravilha cômica – com toques de ação – e não um filme convencional sobre a corrupção nas instituições americanas. Os chicletes e os cigarros são obrigatórios num cotidiano caracterizado pelo ceticismo e pela solidão. Antes de prender alguém, Keneely repete uma frase de efeito com uma entonação que provoca risadas no espectador. “Sinto muito lhe dizer, mas… você está detida”. O desfecho é corajoso ao sustentar o clima de desesperança que corrói Los Angeles.

Elliott Gould nasceu para interpretar esse tipo de personagem. Ele é o autêntico anti-herói da Nova Hollywood e é extremamente versátil na forma como explora a comicidade. Suas reações são impagáveis e seu deboche vem da alma. Gould é dono de um corpo incomum e expressivo e o utiliza a seu favor, provando ser um dos atores mais fascinantes de sua geração. Robert Blake, que também fez bastante sucesso nesse período, está excelente e apresenta uma química hipnotizante com seu parceiro de tela.

“Busting” pode ser considerado um “buddy cop movie” e é uma pena que nunca tenha atingido a fama merecida.

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