“Bugsy Malone” é um dos filmes mais adoráveis e originais que já assisti.
É sobre gângsters e disputas de território, porém o elenco é constituído apenas por crianças, que interpretam adultos, mas mantêm a pureza inerente à infância.
O charme do filme está nesse contraste. O roteiro de Alan Parker aponta para temas importantes, como a discriminação racial e a vulgarização da mulher, contudo, as armas atiram tortas, não artefatos. A atmosfera é soturna e silenciosa, a guerra está nas entrelinhas e a fotografia ressalta isso através de tons escuros.
A reconstituição de época é irretocável. As locações passam uma autenticidade notável – o bar local não deve nada aos de clássicos do gênero. Os figurinos, tanto das dançarinas, quantos dos gângsters, são sensacionais, pois, além de conferirem uma veracidade maior à narrativa, fortalecem o tom cômico do filme.
“Bugsy Malone” faz algumas referências a obras importantes, inclusive “The Godfather”. Os mínimos gestos significam muito e os “capangas” tem um respeito profundo pelo chefe. O “vilão” surge das sombras e vemos apenas sua silhueta e um pequeno movimento com a mão.
A montagem é fundamental para o efeito de determinadas sequências. Percebemos o avanço da gangue rival, através de cortes precisos. Ela também ajuda a cultivar o suspense, dando assim, maior ênfase ao desfecho.
A direção de Alan Parker é extremamente efetiva, ainda mais se tratando de uma estreia. Seus planos-detalhe anunciam o que irá acontecer. Gosto também da forma que ele vincula Tallulah às luzes, como se ela precisasse delas para sobreviver naquele ambiente e se sentir confortável. Há um plano superelegante, em que Fat Sam perde seu último aliado e o vemos pelo chamado ponto de vista de Deus, que deixa nítidas a sua solidão e derrocada.
Vale ressaltar que “Bugsy Malone” é um musical. Compostas por Paul Williams, as canções são absolutamente fenomenais. Elas não funcionam apenas no filme e tenho certeza que as escutarei por bastante tempo.
Diria que as principais são: “Tomorrow”, “Bugsy Malone”, “Bad Guys” e “My Name Is Tallulah”.
Claro, a temática é violenta, o roteiro questiona tópicos relevantes e o fato dele ser um musical acaba criando um contraste interessante.
Contudo, o mais fascinante em “Bugsy Malone” é o elenco infantil, que demonstra uma maturidade impressionante ao convencer o espectador dos dramas pessoais de cada personagem e por conferir um humor delicioso à trama.
John Cassisi convence como Fat Sam, o líder da gangue que domina o território e que conta com a simpatia do espectador. O ator utiliza trejeitos clássicos de personagens turrões e expressivos. Seu timing cômico é ótimo.
Martin Lev é um contraponto perfeito. Dandy Dan não é espalhafatoso e comanda sua gangue com classe e rigidez.
Jodie Foster – que realizou no mesmo ano “Taxi Driver” – prova que é uma atriz extremamente precoce. Ela faz de Tallulah uma dançarina cética, que sabe o seu lugar no universo, conhece cada meandro e não economiza na sedução. Sua performance poderia facilmente ser de uma atriz veterana e o fato dela ter, na época, menos de quinze anos ajuda a criar esse contraste fantástico, que é a maior marca do filme.
Florrie Dugger também está excelente. Blousey sonha intensamente, mas está acostumada com rejeições. Sua química com Scott Baio, que interpreta o protagonista é notável. Inclusive, o romance entre os dois possui uma doçura impossível de se encontrar em filmes sobre gangsterismo. Mesmo interpretando adultos, os atores mantêm uma certa essência e Parker a utiliza sabiamente, criando momentos belíssimos.
Bugsy é um sujeito extremamente inteligente e charmoso, que conhece todos, seduz as mulheres e se orgulha por não participar diretamente das sujeiras da cidade. Seu negócio é mais indireto e ele nos presenteia com cenas bastante divertidas.
Acredito que o principal motivo pela escolha do elenco está no final. Caso fosse estrelado por adultos, o desfecho de “Bugsy Malone” seria bobo e anticlimático, no entanto, a ingenuidade das crianças oferece uma doçura irresistível ao momento. Não só isso, a mensagem é significativa e a música é memorável.
Voltando um pouco, se paramos para pensar, o último embate sintetiza tudo que assistimos. A lógica visual nos remete à cenas marcantes, mas não há nada mais juvenil do que arremessar tortas.
“Bugsy Malone” tem elementos clássicos do gênero mafioso, sendo, entretanto, bem mais que isso. É o tipo de filme capaz de mudar o seu ânimo. Uma obra original, de quem toma decisões arriscadas e triunfa de forma belíssima.
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