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Em “Borat”, Sacha Baron Cohen prova ser um artista dotado de um talento raríssimo. Por mais preconceituoso, antissemita e machista que o protagonista seja, não conseguimos odiá-lo, o que se deve ao caráter ingênuo que Cohen confere a Borat. No início, somos apresentados ao Cazaquistão e… bem, não podemos culpá-lo por ser daquele jeito. A caracterização do país localizado na Ásia Central é, obviamente, uma cutucada nos Estados Unidos, que, donos do universo, acreditam que o resto do mundo é formado por neandertais. Em busca de lições importantes, o ministro da informação envia Borat, um repórter, aos Estados Unidos, onde deve realizar um documentário.

Diferentemente da maioria dos “Mockumentaries”, as ações em “Borat” acontecem sem que os envolvidos saibam que estão interagindo com um ator, ou seja, Cohen, além de despertar olhares incrédulos, expõe a miséria espiritual e moral da “terra da liberdade”. Ao chegar no elevador do hotel, em Nova Iorque, o protagonista agradece ao recepcionista pelo quarto espaçoso, sem fazer a menor ideia de que está num equipamento usado para transportar pessoas verticalmente – o roteiro aposta em diferentes e efetivos toques de humor escrachado. Os planos de Borat mudam quando ele liga a TV e se depara com Pamela Anderson, na série “Baywatch”. Genuinamente apaixonado, o repórter convence Azamat Bagatov, seu produtor, a atravessar o país, rumo à Califórnia.

A estrutura de “road movie” garante uma fluidez ainda maior à narrativa e é fundamental ao expandir a visão do espectador sobre os Estados Unidos. “Rasgue o bigode maldito e você não parecerá tão suspeito” e “Isso é o que estamos tentando fazer aqui” – referindo-se à tortura contra homossexuais – são frases proferidas por um texano. O discurso de Borat, no qual declara apoio à Guerra do Iraque e ao Presidente Bush, é recebido com euforia, mesmo escalando para o exagero. O protagonista é barrado em um hotel “respeitado”, simplesmente por se adequar aos modos de seus novos amigos da comunidade afro-americana. “Eu e meu mano Azamat temos a caranga estacionada lá fora”. O choque também atinge o espectador; todavia, se pararmos para analisar, não há nada demais naquilo. Na verdade, há sim. É basicamente uma confirmação de que os negros podem agir como quiserem, desde que estejam nas ruas, afastados de lugares “civilizados”.

Em determinado momento, Borat é acolhido por um generoso casal de idosos. Os cortes em sequência revelam o pânico sentido por ele ao perceber que os anfitriões são judeus. Em outra situação, Azamat, em meio à solidão, decide se masturbar com a revista de “Baywatch”, enfurecendo Borat. O humor físico é uma arte para poucos e essa sequência, que ultrapassa o limite do imaginável, é, por si, uma obra prima. O acesso às armas é fácil, mas não para estrangeiros. Em um jantar com a alta sociedade sulista, após uma aula de etiqueta, somos introduzidos ao termo “americanizar”. Para ser aceito como um ser humano digno, Borat deve passar por uma espécie de metamorfose. Os elegantes e refinados destilam sua xenofobia sem maiores ressentimentos, com a convicção de que estão fazendo um favor a um pobre coitado. Um dos grandes baratos de “Borat” é o fato de Cohen não ter controle sobre as reações das pessoas. A naturalidade da anfitriã ao ensinar o protagonista ao usar o vaso sanitário, explicando que as fezes não são colocadas em saquinhos e que ninguém deve ajudá-lo a limpar a bunda, não poderia ser mais apropriada. É sério que ela não suspeitou de uma possível armação? É sério que seu senso de superioridade chega a esse nível? Borat pergunta à sua professora se elogios são bem vindos, que responde que, sim, caso sejam sinceros. O que é a sinceridade? A camisa de força da sobriedade e dos bons costumes? Quando a individualidade humana se perdeu? “Por que você chamou a polícia? O retardado escapou?”

Borat ainda visita um culto da Igreja Pentecostal, que é uma mistura de máfia e circo. Sacha Baron Cohen impressiona pela imprevisibilidade, deixando todos, inclusive nós, desconcertados. Às vezes, queremos nos esconder de tanta vergonha; às vezes, não conseguimos desgrudar da tela. Os coelhos de sua cartola são intermináveis e, sinceramente, não sei se outro ator seria capaz de dar vida a uma figura tão extravagante e complexa. Há momentos surpreendentemente doces, como, por exemplo, aquele em que o protagonista é generoso com uma prostituta. Borat, apesar dos pesares, é mais empático que quase todas as pessoas que aparecem – e estamos falando de um personagem fictício com os defeitos citados no primeiro parágrafo. Cohen, ao lado do diretor Larry Charles e do excelente Ken Davitian, que interpreta Azamat, criou um dos filmes mais engraçados e ácidos de todos os tempos. 

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