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Dono de uma das filmografias mais sólidas do cinema contemporâneo, Richard Linklater acerta novamente. Após o inteligente e cômico “Hit Man”, protagonizado por Glen Powell, ele volta a trabalhar com Ethan Hawke. Lorenz Hart e Richard Rodgers formaram uma das duplas mais icônicas do cenário musical nas décadas de 20 e 30, responsável por maravilhas como “My Funny Valentine”, “Isn’t It Romantic?” e “Blue Moon” – segundo Hart, a sua pior composição. O filme se passa na noite de estreia do musical “Oklahoma!”, que marcou o primeiro trabalho de Rodgers com Oscar Hammerstein. A locação única, no caso, o Sardi’s bar, poderia ser um empecilho caso o roteiro de Robert Kaplow não fosse dotado de uma destreza absurda. A narrativa se desenvolve como uma das músicas citadas acima, atingindo, ao mesmo tempo, o imediatismo de um dia movimentado e a alma do protagonista.

O palco é de Hart, que trata o barman, o pianista e o escritor como bons coadjuvantes em seu show particular. Ele é engraçado, culto e bom com as palavras; chama a garrafa de whiskey de poema visual e fica incrédulo com a quantidade de prazer contida num copo tão pequeno – o alcoolismo pela ótica do artista. Hart não suporta a “arte inofensiva” e não poupa “Oklahoma!” de críticas: “Fraudulento, patriótico e ruim”. Carismático, o protagonista sabe ser vulgar com “classe” e está à espera de Elizabeth, uma jovem estudante de artes que tocou o seu coração. Ele a descreve vividamente, se lembra de sua roupa na primeira vez que a viu e pensa em formas de se manter interessante aos olhos dela. Hart divaga sobre o teste do tempo e a condição de gênio, esbanjando confiança e narcisismo, todavia, e sua obra fala por si, ele é um homem extremamente vulnerável e sensível, capaz de apreciar a beleza oculta à grande maioria.

Quando Rodgers chega no bar com sua comitiva, notamos que a dupla perdeu a química dos tempos gloriosos. A princípio, o protagonista, com seu espírito esportivo, parabeniza o amigo, no entanto, não demora a expor suas ambições, que são opostas às de Rodgers: cerebral e poético x emoção e popular. As interações denotam gratidão e carinho; sentimos o ar de uma longa parceria nas breves conversas e a ruptura que está por vir. Hart não diz, mas seu rosto exala solidão, como se fosse um estranho na festa. Eu não duvido de sua opinião acerca de “Oklahoma!”, dito isso, a melancolia e a sensação de abandono são maiores que o descontentamento com o musical. Rodgers fica no andar de cima e veste um smoking; Hart fica no balcão e usa um terno moribundo.

Elizabeth representa sua obsessão pela beleza pura e a vontade de se manter jovem, de negar que está quase morto. O protagonista quer escutar sua voz e, ao perguntar o que ela sente por ele, é “surpreendido” com a resposta insuportável: “Not that way”. O coração nega a dignidade e o amor é trágico, assim como Hart. Como alguém que nega ser sentimental cita “Casablanca” com tanta propriedade – falando no clássico de Michael Curtiz, a rima proporcionada pelo roteiro é de uma sofisticação raríssima. O trabalho de maquiagem merece elogios por “descaracterizar” Ethan Hawke, cuja performance toma conta da tela. A velocidade na fala, o sarcasmo e o humor autodepreciativo contrastam com as nuances que conferem vulnerabilidade ao protagonista. Hawke encarna uma figura complexa e contraditória com um charme peculiar àquela época, esculpindo o mito e o homem. Margaret Qualley, Andrew Scott e Bobby Cannavale compõem perfeitamente o elenco.

“Blue Moon” é uma divertida e perspicaz viagem no tempo com ecos de estudo de personagem.

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